O guarda-redes Rui Nunes, conhecido no futebol como Ruca, viveu esta temporada uma situação insólita. Jogou o Campeonato de Portugal por dois clubes que tiveram sortes distintas. O Lusitano de Vildemoinhos, onde o jogador de 31 anos era titular, acabou por não resistir aos maus resultados e foi despromovido. Já de férias e a “fazer o luto” pela despromoção, o guarda-redes natural de Tábua e formado no FC Porto, recebeu um telefonema do FC Oliveira do Hospital que estava a lutar pela promoção e precisava de um guarda-redes para os dois derradeiros jogos. O antigo internacional pelas camadas jovens não hesitou. Aceitou o convite e foi a tempo participar na promoção da equipa à recém-criada Liga 3. “É indescritível. Foi um momento inesquecível”, conta o jogador em entrevista ao CBS. Rui Nunes fala também de uma carreira que poderia ter sido de sonho e a representar clubes ao mais alto nível. “Mas o futebol é o momento e há coisas que, independentemente da nossa qualidade, não conseguimos controlar”, refere o jogador que ainda esteve em dois estágios de pré-época do FC Porto e no Marítimo.
CBS – Como surgiu o convite para representar o FC Oliveira do Hospital?
Quando recebi um telefonema já estava de férias há um mês. Já tinha terminado o Campeonato de Portugal para o Lusitano de Vildemoinhos. E o convite surgiu devido ao facto de um dos guarda-redes do FC Oliveira do Hospital, o Afonso, ter sofrido uma lesão grave. O clube estava a lutar pela subida, o que acabou por se concretizar, e tinha de encontrar um guarda-redes para os dois últimos jogos. Quando recebi o telefonema, aceitei logo. E acabei por ver a equipa onde era titular ser despromovida e, depois, integrar uma que foi promovida à nova Liga 3. Uma coisa rara.
Quais foram os sentimentos que sentiu?
Primeiro foi de uma enorme frustração. O Lusitano de Vildemoinhos andou ali uma série de anos a lutar pela subida de divisão e este ano tudo correu mal e a equipa acabou por descer. Por outro lado, foi a festa com o FC Oliveira do Hospital, que apenas pretendia a manutenção, a conseguiu ser promovido.
Mas esteve a segundos de não subir. O golo que salvou a equipa, como foram vividos aqueles momentos?
O nosso lema foi acreditar até ao fim. Com o Benfica de Castelo Branco, também em Oliveira do Hospital, conseguimos o golo do empate aos 98 minutos. Foi outro ponto fundamental. Para este último jogo, no aquecimento disse ao meu colega para procurar manter e transmitir calma aos colegas até ao derradeiro segundo. Foi como se estivesse a adivinhar.
“Tivemos o pressentimento que podíamos marcar. E foi o golo. O que se sente num daqueles momentos é indescritível. É a loucura completa”.
Mas, aos 90’, a perdermos, confesso que estávamos desanimados. O canto deu-nos um alento inexplicável. Eles tinham um jogador a ser assistido e o nosso guarda-redes, o Nando, subiu à área adversária e tivemos o pressentimento que podíamos marcar. E foi o golo. O que se sente num daqueles momentos é indescritível. É a loucura completa.
Com esta promoção a equipa tem possibilidade de dar outra visibilidade à cidade…
Muita. Esta Liga 3 vai ser um caso sério. Esta equipa com estes resultados criou uma boa dor de cabeça ao município e à direcção. A Câmara Municipal vai ter de apoiar o clube e os dirigentes vão ter mais responsabilidades. Espero é que existam pessoas no estádio, porque agora é uma prova de outro nível. Mas o clube tem ainda o problema do piso para resolver. É que o actual é sintético e a Federação Portuguesa de Futebol não permite a sua utilização. É algo que terá de ser resolvido.
“Esta Liga 3 vai ser um caso sério… Será uma montra para as cidades. Todo o país vai seguir esta prova”
Está muito optimista em relação a esta nova prova?
Vai ser uma montra. Os jogos vão ser transmitidos na televisão. Será uma competição com grande visibilidade e duas séries muito competitivas. Haverá muitos candidatos à subida. Esta é aposta muito forte da FPF e não tenho dúvidas que vai ser um êxito para todos: modalidade, jogadores, adeptos e para as localidades das equipas. Não sei se os clubes vão receber direitos televisivos, mas as cidades e quem quer fazer publicidade vai ter ali uma excelente montra. Todo o país vai seguir esta prova e os jogadores vão ser valorizados. Vai-se falar muito desta competição. O FC Oliveira do Hospital vai voltar a ser um “outsider” e só espero que tudo volte a correr bem.
O seu futuro já está decidido? Pode ficar no FC Oliveira do Hospital?
Ainda não está decidido. E, claro, gostava de jogar no FC Oliveira do Hospital. Mas com esta indecisão quanto à direcção, algo que só recentemente foi resolvida, ainda não houve conversas ou qualquer convite.
“Quando estava no FC Porto, sempre acreditei que ia conseguir ficar como terceiro guarda-redes no final da formação. Ainda fiz dois estágios com a equipa principal”
Não sei mesmo o que vai acontecer. Tenho propostas de outros clubes, mas gostava de ficar em Oliveira. Mas tanto posso jogar na Liga 3, como nos distritais. Dentro de pouco tempo vamos saber. Por enquanto estou a analisar propostas.
Fez a formação no FC Porto, cruzou-se com vários jogadores nos clubes e nas selecções que hoje estão nos grandes palcos…
Sim. Muitos. Um dos meus companheiros era o Anthony Lopes, que3 está na selecção nacional. Dos restantes que estão neste momento no Europeu cruzei-me com o Pepe no FC Porto, onde estive na formação dos sub-14 aos sub-19, e fui colega do Sérgio Oliveira, embora ele seja mais novo. Também convivi com muitos outros nas selecções jovens, dos sub-16 aos sub-20.
O que é que aconteceu para nunca ter conseguido jogar na I Liga?
O futebol é o momento. Tudo depende das circunstâncias e não só da nossa qualidade. Quando estava no FC Porto, sempre acreditei que ia conseguir ficar como terceiro guarda-redes no final da formação. Ainda fiz dois estágios com a equipa principal. Mas no ano em que subi, o Beto tinha realizado uma excelente época no Leixões e falava-se que poderia ir para o Benfica. Penso que para isso não acontecer, o FC porto contratou-o. Fiquei tapado. O plantel tinha o Beto, o Nuno Espírito Santo e o Helton. Com estes nomes não tinha como ficar no plantel. Acabei por sair para o Marítimo.
No Marítimo também não vingou?
Era muito jovem e confesso que, aos 19 anos, a frustração de não ficar no FC Porto me deixou de rastos. Não estava de corpo e alma na Madeira e perdi o barco. Foram temporadas negras. E antes de tudo isto tive uma proposta do Benfica que me oferecia um ano de contracto de formação e dois já como profissional. O meu empresário na altura tinha-me garantido que o FC Porto iria cobrir a proposta. Não aconteceu. Se tivesse aceite aquela proposta tudo poderia ser diferente, não sei. Depois passei pelo Tourizense, Nogueirense, AC Viseu e Lusitano Vildemoinhos e FC Oliveira do Hospital [risos].
Como vê o futebol do interior do país que vai estando cada vez mais representado nos principais escalões….
Temos clubes como o Arouca, o Tondela, o AC Viseu ou o Chaves nos principais campeonatos e agora o Oliveira do Hospital na Liga 3. Mas, como contrapartida, os clubes intermédios têm vindo a desaparecer. Há cada vez menos equipas no Campeonato de Portugal. Clubes como o Tourizense, de Tábua, que durante mais de uma década andou em campeonatos de relevo, praticamente desapareceu. O Nogueirense seguiu o mesmo caminho, depois de andar seis ou sete anos nos nacionais. No Distrito de Viseu aconteceu o mesmo com muitos clubes, como é o caso do Vildemoinhos. Há falta de patrocinadores e vejo com muita preocupação o futuro. Vamos ver que medidas a Federação Portuguesa de Futebol toma também para ajudar a combater esta desertificação.