Duas moscas infiltram-se nos bastidores da vida autárquica dentro de uma sala de certa Câmara Municipal que conhecereis. Na sua manobra, elas entram e procuram fazer o menor zumbido possível para não serem detetadas. A sua missão é especial de sigilosa e elas receiam ter problemas com o «mordomo» que por ali serve a maioria partidária que reina nessa Câmara ou mesmo com algum dos autarcas de serviço.
Apesar de não terem sido disso incumbidas pela «oposição» política, também têm como objetivo fornecer elementos sobre a matéria a alguma da comunicação social não avençada o que se torna perigoso para elas caso sejam descobertas. Ainda levam com o sheltox (inseticida) do presidencial «chefe» e do próprio vice…
Pousam disfarçadas, ativam os sensores e vai de transmitir cá para fora, pelas ondas da «IA – inteligência artificial», os diálogos que surgem já previamente aquecidos por indícios vários:
Do alto do seu crânio luzidio, diz o ainda vice para o presidencial «chefe»:
– «Ai, ai, que não estou a gostar nada disto! Fale-me lá a direito e sem subterfúgios. Que pretende Você, e que pretende o partido, fazer comigo para as próximas eleições para a Câmara?».
– «Calma, calma, não se excite que a vida é curta. Não tome isto a um nível tão pessoal» – responde-lhe em tom um pouco irónico, o presidencial «chefe».
– «Pois, tá bem tá. Mas, na futura lista de candidatos para a Câmara, onde é que me pretendem colocar a mim, repito eu? Aviso já que não aceito despromoções!» – entesa-se o vice.
– «Calma já disse! Isto aqui não vai lá aos berros! Estamos em presença de várias circunstâncias que é necessário ter em conta. A propósito, já antes lhe disse a si que deixa bastante a desejar a sua eficácia na resolução de alguns dos problemas dos seus pelouros nesta casa» – atira o «chefe».
– «O quê? Volta a acusar-me de falta de competência? A mim, que sou uma mais valia, um acréscimo político e operacional? Aliás, muito polivalente que eu sou a minha própria equipa! Eu mais eu não somos apenas dois elementos em conjunto. Somos muitos, somos muitos! Bem mais e mais eficazes que outros que por aqui abundam, por aí sentados e providos, apenas, de mera confiança política do partido e de Você mesmo por seguidismo partidário» – empertiga-se o ainda vice.
– «Atenção, está a exceder-se! Olhe que eu não lhe admito afirmações como essas, carregadas de falsas insinuações. Devo lembrar-lhe que Você mesmo só é o vice porque para isso eu lhe dei a minha confiança política. Portanto, não se insinue como um supra-sumo da política local autárquica. Ponha-se no seu lugar que só vale enquanto nele o quisermos sentar a si!» – admoesta o presidencial «chefe».
Neste momento, entra no debate um assessor presente nessa sala, enrubescido pelo teor da conversa a que assistia:
– «É verdade, é verdade! Você, seu vice, tem sido incompetente. É vermos o que aconteceu com o Parque Infantil lá em cima e com o aterro e lixeira na Zona Industrial. Desleixo, desleixo seu, com más consequências para esta Câmara, ora então?! Não confunda agora alhos com bugalhos, e não envolva nisto o nosso partido! – finaliza este assessor.
Salta de imediato o vice, abespinhado:
– «Claro que Você se tinha de meter na conversa. Afinal, sabe-se que Você é nisto o mais interessado embora se julgue o mais influente. Mas o facto de ser o ´chefe´ partidário local a mim não me impressiona. Fique a saber que eu valho pelo que valho e não pela importância que me emprestam via o partido».
– «Vá, deixem-se disso senhores!» – intervém, cordato, o presidencial «chefe». E continua: – «De facto, estamos a encarar a hipótese de colocar o nosso assessor um lugar elegível na lista dos nossos candidatos. Provavelmente mesmo em segundo lugar» – informa.
– «Ora vêem? Esse segundo lugar é o meu! Daqui a pouco põem-me nos suplentes…se eu deixar. Nem pensem que eu vou dar luta até para defender o meu justo prestígio, a minha dignidade!» – ameaça o ainda vice.
– «Como não deve desconhecer, esse assunto deve primeiro ser analisado dentro do partido» – afiança o assessor. – «E, para esse efeito, o partido tem os seus órgãos próprios e os seus dirigentes» – afirma com convicção.
– «Pois claro e assim Você quer ser juiz em causa própria. Quer afastar-me a mim para se lá pôr a si no meu lugar. Mas que mérito, que mérito para isso? Já se tem ouvido por aí dizerem que o presidencial ´chefe´ depende da confiança política do assessor que é o ´chefe´ partidário e que, por sua vez, este depende, depois, da confiança política do presidencial ´chefe´ para continuar por aqui. E assim Vocês os dois se preparam para dançar o tango, nos braços um do outro, nestas próximas eleições para a Câmara Municipal. Ora, não me lixem a mim!» – conclui o ainda vice também ele já enrubescido, do queixo até ao alto mas visível coruto da cabeça.
– «Basta, basta! – eleva a voz o presidencial «chefe» – «Claro que vamos tomar decisões na matéria e assumir responsabilidades» – assevera.
– «Os senhores vão assumir é as consequências da Vossa irresponsabilidade ao pretenderem sanear-me. Sim sanear-me por motivações pessoais impostas também ao partido. Para começar, vou já publicar uma minha missiva nas redes sociais expressando já a minha crise semi-existencial com incidência na vida autárquica!» – e continua o ainda vice, convictamente: – «Podem crer que há mais quem queira candidatar a minha pessoa no maior destaque de uma lista para a Câmara! Podem crer, podem crer e esperem para ver se duvidam» – conclui voltando as costas aos outros interlocutores, deixando na manobra cair uns papeis no chão enquanto abre a porta da sala e sai em velocidade mal controlada.
Os dois correligionários e alegados pares do tal «tango», ainda comentam algo entre si mais não fica perceptível dado o ruído provocado pelo ainda vice ao sair daquela sala.
– «Fim de emissão» – comunicam as duas moscas e desligam o equipamento.
E nós vamos esperar pelos próximos capítulos desta autêntica novela autárquica…em Oliveira do Hospital.
Autor: Carlos Martelo