É muito conhecida a “Batalha do Bussaco” (na grafia da época). Ocorreu a 27 de Setembro de 1810, ali, na Serra do Buçaco. Portanto, dentro de dias, está a fazer 214 anos, período que não deve deixar esquecer efeitos do duro combate então travado.
Na data, acontecia a “3ª Invasão Francesa” a cargo de um numeroso – cerca de 65 mil homens em armas – e também experiente exército invasor, o “Exército (Napoleónico) de Portugal” que, no contexto da “Guerra Peninsular”, lutava a mando do autonomeado “Imperador” Napoleão Bonaparte, do almejado “Império Francês”.
Esta “3ª Invasão Francesa” a Portugal era directamente comandado pelo Marechal Massena, este um “monsieur” francês a quem Napoleão chamava o “filho querido da vitória” pois até aí, dizia-se, nunca antes fora derrotado em combate.
Do nosso lado, dos “invadidos”, tínhamos o “Exército (Anglo-Luso) Português” com cerca de 53 mil Soldados, mais de metade dos quais vindos da Grã-Bretanha principalmente de Inglaterra. Era comandado pelo “Lord” Arthur Wellesley, mais tarde “1º Duque de Wellington”, um general superior por sua vez “assessorado” por um outro um tal de Carr Beresford, este um general de má memória para os Portugueses e que por cá permaneceu “a mandar” até 1820. Todavia, Beresford não participou na Batalha do Bussaco embora estivesse por lá perto. Aliás, os principais Comandantes deste “Exército dos Aliados Anglo-Lusos” eram (quase) todos Ingleses. Esse comando britânico estendia-se também a destacamentos de “milícias” e de “ordenanças” nacionais. Com frequência, até armavam os guerrilheiros e planeavam muitas das muito frequentes acções de guerrilha dos grupos Portugueses “voluntários” armados para assim flagelarem os invasores…
De facto, os “chefões” do “Exército (Anglo-Luso) Português), em Portugal, eram súbditos dos Monarcas Ingleses que o Príncipe Real à época “Regente” e futuro Rei de Portugal, esse fugira, ainda em 1807, para o Brasil e levou a “realeza” com ele. Diga-se também que vários oficiais originários de Portugal, alguns deles de (muito) “alta patente”, marchavam no exército invasor às ordens de Massena e apenas saíram dos exércitos Napoleónicos, em 1815, após a batalha de Waterloo (na actual Bélgica) que “acabou” com Napoleão e o “seu” Império…
A “Batalha do Bussaco” foi uma batalha dura, combatida com valentia de ambos os lados, em que a vitória cedo pendeu claramente a favor das tropas defensoras de Portugal. Os Portugueses lutaram lá bravamente ! O exército invasor teve mais de 5 mil soldados mortos de entre os quais numerosos Oficiais (6 Generais). As baixas do exército anglo-luso foram cerca de 1 500 mortos, bastante menos portanto. Feridos foram às muitas centenas. Note-se que estamos a falar de números oficiais sendo que, normalmente, os números reais são (bastante) maiores dos que os divulgados…
Ver para lá do nevoeiro, do fumo, das balas e do troar da artilharia.
Há muitos relatos e depoimentos sobre a “Batalha do Bussaco” produzidos por vários combatentes e dos mais graduados, de Massena a Wellington. E há estudos e ensaios igualmente numerosos e diversificados feitos logo depois da Batalha e das “Invasões” até à época actual. Se devidamente procurados, também se encontram publicados, variadíssimos, na NET. Espalhados por diversos pontos dos chamados “Roteiros das Invasões Francesas” também há os respectivos “Centros Interpretativos”, alguns deles dotados com modernos meios “interactivos” bastante envolventes para quem os aprecia.
Entretanto, não vamos aqui, hoje, encarar as manobras e os combates então travados, a matar e a morrer, a subir e a descer a Serra do “Bussaco”. Vamos abordar aspectos mais escusos e, todavia, também eles centrais.
– As violências brutais sobre as Populações residentes e indefesas.
Como aliás acontece em todas as guerras, as Populações residentes acabam por ser “entaladas” entre os contendores e sujeitas às maiores violências. E isso voltou a acontecer, aliás brutalmente, durante a “3ª Invasão Francesa”.
Wellington e Beresford aplicaram, e sem dó nem piedade, a política chamada da “terra queimada” ao mandarem queimar e destruir tudo aquilo que não podendo confiscar ao Povo (por exemplo a comida) ou não podendo carregar o que encontravam (e pilhavam) pelo caminho, destruindo mesmo estradas e pontes, e quer quando marchavam em retirada à frente dos invasores (Setembro e Outubro, 1810) quer quando os perseguiam na retirada deles (difícil mas sempre organizada) desde as “Linhas de Torres Vedras” até à fronteira com Espanha, por Almeida e Terras de Riba-Coa (Março e início de Abril, 1811). Claro que os invasores faziam outro tanto ou ainda pior…
Sim, foi o nosso Povo o Mártir e o Herói maiores !!
A partir dos relatos escritos e da nossa capacidade de compreensão solidária deste tipo de situações, podemos avaliar (embora certamente por defeito) o que terão sido as dramáticas e trágicas deslocações massivas das Populações “civis” em que estas levavam apenas o que ainda podiam carregar consigo, a começar pelas crianças e idosos, por exemplo, durante a longa e muito difícil retirada geral desde Coimbra até “Linhas de Torres Vedras”, tendo à sua frente o exército anglo-luso que recuava e, na retaguarda mas sempre ameaçador, o exército invasor que se reagrupara após a “Batalha do Bussaco”. E, a seguir, durante o longo período (cerca de meio ano) de fixação muito precária – teve lugar no Outono/Inverno – na região da “Linha de Torres Vedras” e em Lisboa até à retirada de Massena e suas tropas “ressabiadas” de lá, em Março de 1811. Fome, frio, doenças, cansaço permanente, escaramuças, instabilidade, morte, foram a regra. Tendo até presentes, hoje, as imagens e relatos de conflitos bélicos actuais, podemos, sim, avaliar melhor o terrível sofrimento humano, e mesmo dos animais, que as guerras provocam como também aconteceu neste período das “Invasões Francesas” a Portugal (de 1807 a 1811).
Na situação verdadeiramente trágica, o que nos “valeu”, desde logo aos exércitos “aliados” defensores, foi, de entre outras e múltiplas vantagens, a entrada de abastecimentos “ingleses” (e de financiamentos) pelo porto de Lisboa e até a saída de numerosos feridos de guerra. E, assim, foi de alguma forma justificada a estratégia fundamental de Wellington e Beresford em não arriscarem nunca o domínio do porto de Lisboa, o que se revelou como um factor poderoso no êxito até à derrota dos invasores os quais, pelo seu lado, viam sistematicamente interrompidas as suas linhas de reforço, por terra, em homens e material bélico, em abastecimentos e comunicações, desde a fronteira com Espanha e dentro de Espanha também. Sim, foi mesmo decisiva uma tal conjugação de factores, estratégias e dinâmicas “temperados” com muita coragem e resiliência.
Mas também, o resultado mais terrível foi a fome generalizada e as doenças a matar muitas dezenas de milhar de Portuguesas e Portugueses, a começar pelas crianças e idosos, sobretudo nas regiões mais percorridas pelas tropas. E, todavia, o Povo Português resistiu como pôde e, com grande patriotismo, combateu e venceu os invasores! Sim, o Mártir e o Herói maiores foi o Povo !
– Mulheres, essas Heroínas anónimas !
As mulheres por regra não combatiam embora por vezes também integrassem a guerrilha activa e as que acompanhavam as tropas em movimento, e foram muitas sobretudo em períodos mais “apertados” para os militares, iam na “carriagem” ou no “trem” (na logística, na retaguarda) dos exércitos onde tinham tarefas sobretudo de cozinheiras, de faxineiras, de lavandeiras, de “ajudantas” indiferenciadas, e as mais “desenrascadas” até serviam como enfermeiras de campanha. Não raras vezes, pela sua condição, também se entregavam à prostituição (mais miserável que fosse) acossadas pela fome frequente e pela precariedade geral.
Enfim, Massena (então com 52 anos) levava consigo uma ainda jovem “amazona” (chamavam-lhe com sarcasmo a “galinha de Massena”) meio disfarçada de homem com a qual ele se “entendia” sobretudo nos palacetes onde se aboletavam durante as paragens das suas movimentações militares… Enfim, “chefe” é “chefe” mas até isso terá “irritado” alguns dos seus generais que não tinham idêntico privilégio… Um ou outro desses generais deram mesmo em desobedecer “militarmente” a Massena o que dá ideia da desunião que houve entre o alto comando Napoleónico.
As Mulheres residentes nos territórios, e de entre outras sevícias, eram, em grande número, violadas pelos soldados. Quando resistiam, quase sempre eram supliciadas. Relatos há de acontecimentos, em que, sobretudo os Padres, escreveram que essas Mulheres alvo de humilhações e abusos físico/sexuais, passaram a ser designadas como “mulheres estragadas” e, isto, sem esquecer os muitos e muitos assassinatos de que também foram vítimas. Aliás, ainda hoje se diz que os “autóctones” – as e os nascidos em Portugal – loiros e com olhos azuis, descendem dos invasores provenientes do centro da Europa e que por cá passaram durante as “Invasões Francesas”… E enquanto os seus Homens marchavam e combatiam pelos “anglo-lusos” ou combatiam na “guerrilha” – e havia arreigado um forte sentimento de patriotismo – ou quando os Homens fugiam e se escondiam dos inimigos nos matagais e nas serranias, elas ficavam na expectativa muitas vezes dolorosa. E, sem recursos de qualquer tipo meses e meses seguidos, viam morrer à fome e às doenças familiares dos mais chegados, tantas vezes a expirarem o último sopro de vida nos seus braços doloridos, como acontecia aos seus filhitos esqueléticos encostados aos seus peitos mirrados pelas carências de todo o tipo. Terrível contingência!
Sim, sem entrarem em combate directo foram elas, aos muitos milhares, valentes e sacrificadas heroínas anónimas a aguentarem a “retaguarda” e mesmo certos aspectos da “vanguarda” da maldita guerra ! Muito a Pátria lhes deve!
Setembro de 2024
Autor: João Dinis, Jano
(Um patriota e um pacifista)