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Doutor Rui Tato Marinho

Como vai o fígado dos portugueses? Autor: Rui Tato Marinho

O fígado é um dos órgãos mais vitais do nosso organismo. Tem sido um órgão algo misterioso e desconhecido até há alguns anos.

Pesa cerca de 1,5kg, é castanho-escuro e localiza-se à direita, na parte superior do abdómen, bem protegido por baixo das costelas. É de consistência mole, está cheio de sangue e a sua superfície é muito lisa.

Há quem diga que tem cerca de cinco mil funções. Como se fosse a central de um grande laboratório. As suas funções principais são a produção de substâncias que fazem com que não se tenha hemorragias e o combate às infeções.

Não se consegue viver sem fígado. Ao contrário do rim, para cujas doenças mais graves existe uma máquina, a hemodiálise, para o fígado não existe nenhum dispositivo que possa manter a pessoa viva, sem se ter que recorrer ao transplante hepático.

Os dados apontam para que as doenças do fígado em Portugal e na Europa sejam a sétima/oitava causa de morte (European Social Statistics, Eurostat, 20113 edition)

Estima-se que possam morrer em Portugal por doença do fígado e vias biliares (os canais que transportam a bílis) cerca de 2500 portugueses por ano.

As doenças mais graves, muitas vezes mortais, que o afetam são a cirrose e o cancro primitivo do fígado.

A cirrose é um estado de destruição do fígado, provocada por vários agentes. O fígado com cirrose fica cheio de “cicatrizes”, por vezes de consistência como uma pedra, reduz-se de tamanho ficando atrofiado e a sua superfície fica irregular.

O cancro primitivo do fígado (carcinoma hepatocelular) é aquele que surge originariamente no próprio fígado. É o segundo tumor com pior prognóstico a seguir ao do pâncreas com uma mortalidade de 95% aos cinco anos após o diagnóstico. Por outro lado a cirrose, que pode cursar durante muitos anos sem sintomas, de forma silenciosas, é uma das doenças com risco mais elevado de evolução para cancro, cerca de 10-40% ao fim de 10 anos.

As causas principais de cirrose em Portugal são três: o consumo excessivo de álcool em 70-80%, a hepatite C e o excesso de peso. Esta última causa é um problema crescente, com consequências muito graves a curto/médio prazo.

De acordo com os dados da Organização Mundial de Saúde publicados em 2014, Portugal é o 10º país em termos de consumo de álcool per capita a nível mundial, com o consumo de 12,9 g/l por habitante/ano.

Relativamente à hepatite C, estima-se que possam existir em Portugal cerca de 70 mil infetados. Destes pouco mais de 13 mil estão identificados pelo Infarmed. Destes, aproximadamente 40% têm já cirrose. Nos últimos dois anos ocorreu uma das maiores revoluções na história do tratamento das doenças víricas. Pela primeira vez foi possível ao Homem curar de forma definitiva uma infeção vírica, crónica causada por um vírus oncogénico. As taxas de cura, na grande maioria dos casos através da toma de um comprimido por dia, durante 3 meses, atingem os 95% de eficácia e quase sem efeitos secundários. Mesmo com cirrose pode assistir-se a uma regressão da mesma e redução quase a zero do risco de evolução para cancro do fígado

A obesidade, a diabetes e o excesso de colesterol levam à acumulação de gordura no fígado. Este excesso de gordura no fígado chama-se “esteatose” que poderá levar a que o fígado fique inflamado e as suas análises se alterem. Nesta fase chama-se de esteato hepatite não alcoólica, em inglês NASH (Non Alcoholic SteatoHepatitis). Esta entidade pode também evoluir para cirrose e cancro do fígado. É uma causa crescente de doença do fígado. É mais uma das consequências da dupla epidemia da obesidade e da diabetes.

Na realidade e em jeito de conclusão, as doenças do fígado estão fortemente relacionadas com estilos de vida saudável.

Regras para ter um fígado saudável para toda a Vida, sem cirrose, sem cancro

  1. Não beba álcool de forma prejudicial: evite-o antes dos 18 anos, não se embebede nunca; se é homem não beba mais de 2 a 3 bebidas por dia, se é mulher não mais de 1 a 2.
  2. Faça o teste da hepatite C (anti-VHC) pelo menos uma vez na vida. Há novos medicamentos muito eficazes, muito fáceis de tomar, com quase 100% de taxa de cura para toda a vida.
  3. Trate já do excesso de peso e da gordura no fígado (dieta, exercício, controle a diabetes e o colesterol elevado)
  4. Beba café, 2 a 3 por dia, reduz de forma significativa o risco de cancro do fígado.

Doutor Rui Tato Marinho

Autor: Prof. Doutor Rui Tato Marinho, Vice-Presidente da Sociedade Portuguesa de Gastroenterologia

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