Esta semana, como muitas outras da nossa vida e da vida do país, é uma semana crucial. Uma semana antes de começarmos paulatinamente o retorno à normalidade, sentimos, quando saímos à rua, que a normalidade está aí, ao virar da esquina. E isto já se vem repetindo há algum tempo. Porquê? Em meu entender, após análise e observação da resposta da curva epidemiológica de alguns países europeus à decisão governamental de alívio do lockdown, concluo (com alguma incerteza) que quando os responsáveis políticos começam a comentar umas semanas antes na comunicação social a possibilidade de se levantarem as medidas do estado de emergência, começam a criar expectativas nas pessoas e estas começam a assumir de forma antecipada o alívio das medidas de contenção e de isolamento.
Nos países analisados, Áustria, Noruega, República Checa, Dinamarca e Espanha, verificou-se uma alteração da tendência de novos casos exactamente nos dias próximos do fim das medias e início de alívio. Não era de esperar isso, pois dado o período médio de incubação (5 dias) e o tempo de demora do diagnóstico após o início dos sintomas, esperava-se que a resposta demorasse no mínimo uma semana.
É pois espectável que a curva de novos casos de Portugal termine em breve a tendência de descida suave (com algum, grau de incerteza) que tem vindo a observar há cerca de um mês, após a ocorrência do respectivo pico. Iniciando, ou um novo planalto de nível mais baixo, na ordem dos 300 a 400 casos diários, ou até um U-turn como chegou as ser verificado em Espanha, embora que de curta duração.
Vamos certamente, no próximo dia 3 de Maio iniciar a 3ª fase da epidemia de Covid-19. Terminando uma 2ª fase demasiado demorada para uns e talvez curta para outros. Podemos pois perguntar, se é prudente, se faz sentido, se devíamos continuar ou se deveríamos já ter terminado o Estado de Emergência 15 dias antes? Who knows? A decisão, neste momento, é mais do ponto de vista político e estratégico, do que do ponto de vista epidemiológico. A meu ver, e sem ser epidemiologista, já não há muito a ganhar com a permanência do Estado de Emergência. O que era possível fazer já foi feito, anular o contágio exponencial, controlar o número de internados e manter a letalidade em níveis baixos. E estes indicadores estão, a esse nível, todos favoráveis.
Analisando friamente a evolução da curva epidemiológica de novos casos, em comparação com países semelhantes, a Áustria e a Suíça, por exemplo, constata-se que tivemos uma recuperação muito lenta. Demasiado lenta para o enorme esforço que o país se sujeitou – parar mais de 70% da actividade económica durante um mês e meio. Se a Áustria em circunstâncias idênticas, conseguiu reduzir dos 800 novos casos para os 100 casos (87.5%) em 3 semanas e a Suíça dos 1200 para os 200 (83.4%) em 4 semanas, como é que em 4 semanas apenas reduzimos dos 800 para os 400 (50%)? Certamente as medidas que estiveram em curso não foram eficazes, ou foram-se tornado cada vez menos eficazes. Por isso, no pressuposto de que as medidas em curso já não estão a ser surtir o efeito desejado, suficiente para reduzirmos rapidamente para 1 a 2 dígitos os novos casos, não vale a pena manter tamanho esforço sócio-económico.
Do ponto de vista económico, e recorrendo a contas de merceeiro (parafraseando o célebre fiscalista), podemos facilmente verificar que o país vai ficar em maus lençóis no final do ano, com uma redução do PIB que poderá chegar a 20%. Sim, uma recessão até 2X superior à crise económica de 2010-12 (consequência da crise financeira de 2008). Ora, em termos médios a produção interna bruta de 1 mês é de 8.3% do PIB anual. Sabemos que não é assim, porque a actividade económica é variável ao longo dos 12 meses do ano, mas para aqui chega esta assumpção. Considerando que o Estado de Emergência reduziu até 80% a produção interna, 1 mês e meio corresponde a uma redução do PIB de 10%. Mais 15 de inactividade parcial seriam 3.3% de redução adicional, perfazendo no total qualquer coisa como uma redução de 13.3% do PIB anual. Ora, como nos meses seguintes não se vai produzir a todo o gás, até porque actividades como o turismo que contribuíram em 2018 com 8.3% estarão praticamente paradas, vai haver uma redução adicional do PIB a esses 13.3%, pelo poderemos esperar uma recessão acima dos 15% em 2020.
Manter o país parcialmente parado por mais 15 dias, não só não se obteriam ganhos efectivos no controlo da epidemia, como o impacto no PIB teriam consequências muito mais devastadoras do que aquelas em que já nos encontramos. Não seriam apenas mais 3.3% de redução do PIB, seriam 3.3% mais as ondas de choque sucessivas na economia.
Tendo já garantido uma capacidade instalada de camas, ventiladores e quartos de UCI que nos garantem controlar com alguma folga uma estagnação na evolução de novos casos, ou mesmo uma ligeira subida (o que aconteceu no outros países), julgo ser prudente, pesando todas as varáveis em jogo, decidir o retorno progressivo à normalidade da actividade do país. Os especialistas, das diferentes valências, hão-de saber aconselhar os políticos sobre os sectores e o nível de actividade que pode e deve ser retomada.
Autor: Carlos Antunes