E para ser mais justo direi ainda:- “Em especial eu Vos saúdo minhas Conterrâneas do passado ! Bem hajam !”.
Muitas vezes acontece-me evocar memórias da minha Aldeia, da minha Terra natal, onde nasci há já umas décadas de parto natural, “puxado” por minha Mãe e pela Parteira. Aliás, até se costuma dizer com ironia sobre uma tal matéria: – “eu não nasci, apareci”, o que permite encerrar conversas do tipo sem evocar intimidades digamos que demasiado privativas e inconfessas…
Gosto cada vez mais de passar em passo lento pelas ruas vetustas da minha Aldeia. Nessas ruas por onde me fartei de brincar e correr em criança e onde, agora, estimuladas pela minha imaginação e afectividade, agora perpassam “sombras vivificadas” dos antepassados meus, na mesma Aldeia.
E sim, eu deixo-me regressar pelo passado afora, avanço para trás no tempo, o mais longínquo possível, e deixo-me invadir pelas reminiscências e conjecturas desses passados mais colectivos que procuro tornar historicamente verosímeis pelo menos perante mim próprio. E como uma espécie de “médium”, vulgo “bruxo”, sinto esses “ambientes” assim como se fossem experiências proporcionadas por tais viagens pela portal físico e também imaterial da dimensão tempo que envolveu e envolve a minha Aldeia.
Vidas convividas, sofridas, às vezes também amadas.
Há um curioso conjunto de pedras organizadas de forma característica. Procedem de uma época de antanho mas estão prestes a desorganizarem-se – prestes a ruir – à beira da Rua do Cimo do Povo, na minha Aldeia, próximas à zona onde esta nasceu há séculos e de onde foi saltando para outras zonas. São pedras que guardam e exprimem memórias desses tempos.
Tempos em que por ali havia animais selvagens de grande porte e mesmo perigosos. Lobos e ursos que por lá rondavam a farejar as Gens e as Gentes, sobretudo no Inverno. E ainda assim a população era bem mais numerosa que hoje.
Cedo foi a minha Terra dita de “vilões herdadores”, os proprietários mais abastados de entre a plebe de “pé descalço e barriga ao léu” que de nobreza não rezam as memórias à excepção do “Morgado” (último grau da nobreza) um solteirão que viveu na segunda metade do século XIX e início do século XX.
E nesses contextos perfilaram pedras a denotarem essas posses enquanto que (muitos) outros se arrumavam em casotas exíguas só com rés-do-chão e sem soalhos e divisões sólidas. Sim, a promiscuidade mais directa era uma das consequências… Com o advento do uso “familiar” do álcool, a promiscuidade tornou-se alcoolizada… Uma “marca” dura e nociva a marcar gerações em que as Mulheres sempre foram as mais sacrificadas.
Viver era sobreviver diariamente às dificuldades naturais e provocadas. Os Homens ainda podiam ir à tasca ou à taberna a falarem uns com os outros e a emborracharem-se as mais das vezes. Muitos emigravam ou migravam.
As Mulheres permaneciam em casa, 365 dias por ano, à excepção de dias de festas e “romarias”, a tratar das lides ditas domésticas e a lidar com as inúmeras dificuldades. Designadamente, a criarem os filhos que, aliás, deviam parir assiduamente…e sem direito a recusarem-se embora os abortos – “fazer um ´anjinho´ ” em dito piedosamente popular – também fossem frequentes e mesmo prejudiciais à saúde da mãe assim “interrompida” em sigilo por vezes mal guardado e também por isso (re)castigado… E, entretanto, quantas, quantas mães se afligiram diariamente ao verem a filharada a berrar à sua volta e sem saberem o que lhes dar de comer !… E a terem de permitir, de boca calada, que pais e irmãos violassem as suas raparigas! Enfim, sempre “folgavam” elas… Dramático, não ? !
O Pátio e as Casas em uso comum.
Pois então, ali, a meio da Rua do Cimo do Povo, ainda se vê uma estrutura curiosa, em granito de várias formas e feitios, estrutura que o foi para habitação de várias famílias, afinal, células diferenciadas de uma mesma família. Foi construída em círculo, com um pátio comum e interior e apenas com um acesso à rua exterior, acesso por norma preservado por um portão móvel. As casas que formavam o círculo eram geminadas e podia-se passar de umas para as outras através de (baixas) portas interiores, portanto sem necessidade de vir apanhar frio ou chuva cá fora… As Pessoas, familiares, lá residentes estavam, assim, mais mutuamente protegidas em relação aos animais selvagens e até a eventuais assaltantes humanos. O quarto interior mais resguardado, ouvi dizer a quem já tinha ouvido dizer, ficava para as Mulheres lá parirem…melhor protegidas dos animais selvagens que farejavam os fluidos dos partos e uivavam ou rugiam cá fora…
E na minha Terra há outros indícios de antigas construções em granito, entre o rudimentar e o mais elaborado. E de outros Pátios comuns a várias famílias.
Eu vou passando devagar por entre sombras e recordações na minha Aldeia. E evoco com alguma emoção (mas sem pieguices) as Gens e as Gentes que me antecederam por ali. E por ali viveram, sobreviveram. Trabalharam, sofreram e também conseguiram amar.
O Vosso “sopro-de-vida perpectua-se em nós e naqueles e naquelas que nos sucedam nesta minha Aldeia. Bem hajam ! “Per omnia saecula, saeculorum !”.
Eu Vos saúdo, até sempre meus Heróis e minhas Heroínas !
Março de 2024
Autor: João Dinis, Jano