Home - Entrevista - “Fui recebido na BLC3, mas não passei da sala de reuniões. Não me forneceram documentos, não visitei as obras, nem vi os célebres geradores”
António Lopes

“Fui recebido na BLC3, mas não passei da sala de reuniões. Não me forneceram documentos, não visitei as obras, nem vi os célebres geradores”

António Lopes compareceu ontem em Lagares da Beira para realizar a visita que lhe foi agendada à BLC3. Objectivo: esclarecer as dúvidas que tem manifestado publicamente em relação à forma como está a ser gerido o projecto. O eleito da Assembleia Municipal de Oliveira do Hospital, porém, acabou por sair como tinha entrado. Sem os documentos que tinha solicitado, sem ver os equipamentos adjudicados, particularmente os geradores que aparentemente, no seu entender, custaram muito mais que o preço de mercado. O eleito também não teve acesso à verificação do andamento das obras. “Não mostraram. Só fiquei com mais suspeitas de que algo não está bem. Dizem que tenho de esperar pela inauguração”, diz António Lopes em entrevista ao CBS, acrescentando que podem existir naquela instituição “processos de cosmética, uns atrás dos outros, para esvaziar o interesse público”. “Nunca disse que há irregularidades, apenas situações que me levantam dúvidas que devem ser esclarecidas. Mas como não me deixam ver os documentos. O que é que posso pensar? Não quero fazer acusações sem provas, mas tudo isto é muito estranho e suspeito”, diz este membro da Assembleia Municipal.

CBS – Como correu a recepção e a visita à BLC3?

António Lopes – Em bom rigor nem fui recebido. Também não pude realizar qualquer visita. Veio lá uma funcionária buscar-me à porta, conduziu-me a uma sala. Esperei pelo senhor João Nunes onde, justiça lhe seja feita, não me fez esperar muito. Começamos a reunião. Pedi-lhe os documentos que previamente lhe tinha solicitado. Para minha estranheza respondeu-me que eu não teria acesso. Disse-me que só agora tiveram conhecimento do parecer da CADA, que eu próprio lhes forneci, e que os serviços jurídicos da BLC3 tinham um entendimento diferente daqueles pareceres. Como tal, iriam questionar a CADA e só se a CADA dissesse que sim é que me entregavam os documentos. Se a CADA disser que não, então não me seriam entregues. Posto isto, perguntei se poderia fazer a visita à BLC3 e se poderia ver os célebres geradores. Responderam-me que também não o poderia fazer.

Qual foi a justificação?

Disse-me que as obras ainda não estavam completas e que os geradores ainda estavam embrulhados e que se os desembrulhasse perderia a garantia.

Ficou convencido?

Só fiquei com mais suspeitas de que algo não está bem. Pelo que sei, até porque sou fornecedor, a garantia começa a contar a partir do momento da facturação. E coloca-se outra questão. Se não era para começarem a trabalhar porque é que compraram os geradores em 30 de Julho do ano passado? São demasiadas dúvidas.

Teve alguma explicação para os preços que o senhor diz serem excessivos?

O argumento, que me apresentaram, é que se trata de um gerador especial para trabalhar a temperaturas abaixo de zero e outras tretas parecidas. Expliquei ao senhor engenheiro que sei muito bem o que é um gerador. Que tanto pode ser ligado a uma broca de dentista como a uma britadeira. Se o liga a uma bomba de termo fluidos ou ao rabo de uma vaca isso é um problema dele. Liga o gerador ao que ele entender. Quanto às temperaturas negativas abaixo de zero muito dificilmente existem em Portugal num espaço fechado. Mas admitindo que pontualmente possam existir isso não afecta o arranque do gerador. Há aditivos para colmatar esse problema. Já trabalhei com geradores com temperaturas bem mais agrestes que aquelas que se podem fazer sentir na zona da BLC3 e nunca tive problemas. Ainda assim, não me parece que um gerador para trabalhar em temperaturas negativas possa justificar aquela diferença de preço. O que quero, é que me demonstrem o porquê daqueles geradores custaram cinco vezes mais que o seu preço de mercado. Foi algo que não quiseram fazer.

“Não me entregaram nada, não vi nada”.

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Qual a ilação que retira de tudo isto?

O que me parece é que há uma tentativa de esconder, a todo o custo, a realidade da BLC3. Começo a ter fortes suspeitas que algo de muito preocupante se passa ali dentro. Ando nisto há mês e meio e não me facultam as informações. Para que foi marcada a visita se não tinham os documentos nem me permitiram visitar fosse o que fosse? Fui recebido na BLC3, mas não passei da sala de reuniões. Vim da Covilhã, também porque de manhã fui ouvido pela Polícia Judiciária sobre este processo e outros, e fiquei para a tarde para não fazer nada. Para isto poderiam ter-me dito na carta que não havia nada para me mostrarem. Que não deveria vir. Isto é um desrespeito para com um eleito local, para com o presidente da Assembleia Municipal em exercício que procurou que a visita fosse agendada, para com a Assembleia Municipal no seu todo e, em última análise, para com todos os munícipes. O objectivo é protelar.

Um dos pedidos de esclarecimento em que tem insistido é a forma como foram adjudicadas as obras. Explicaram-lhe esse aspecto?

Claro que quero saber a razão de existir uma diferença de quase 500 mil euros entre uma primeira proposta de um concurso que foi eliminado e o actual. Pedi a lista de trabalhos e de preços para poder comparar e tirar as minhas conclusões. Não me entregaram nada.

Ficou finalmente a saber como é que 49 por cento de uma empresa do universo BLC3 foi parar às mãos de João Nunes?

Perguntei-lhe para que é que ele queria 49 por cento de uma empresa sem fins lucrativos. Para meu espanto a resposta surgiu em forma de pergunta: “quem lhe disse a si que é sem fins lucrativos?”. Isto é incrível. Então tem uma empresa com fins lucrativos onde a Câmara Municipal põe aproximadamente dez mil euros todos os meses? Pela resposta, e a dedução é minha, têm existido movimentos ali dentro em que na prática temos a BLC3 a receber dinheiros públicos e ninguém sabe quem está a tirar os proveitos. O senhor João Nunes quase me faz lembrar aquelas senhoras que entram para servirem como empregadas e saem como patroas._DCS0053 (Small)

Foi-me sugerido que houve alterações na parte societária. Não entendo como é que isso aconteceu sem o conhecimento da Assembleia Municipal. Do ponto de vista jurídico isso não é possível. Segundo o senhor João Nunes, essa é a minha opinião, não a dele. Perante a minha insistência não respondeu ao que lhe perguntei. Falou-me que a BLC3 tem sido reconhecida internacionalmente. Respondi-lhe que eu também sou comendador, cidadão honorário do Estado do Rio de Janeiro no Brasil, tenho duas das três maiores condecorações dos bombeiros, fui eleito presidente da Assembleia Municipal, mas o que realmente os oliveirenses querem saber é do meu desempenho como eleito municipal. Era nessas funções que estava ali. Não adiantou de nada. Quero-lhes prestar boas contas. O que se nota é que existe uma tentativa de protelamento para ver se isto cai fora do mandato e se não se retiram consequências.

“Vou seguir o conselho da CADA e levar o caso para o Tribunal Administrativo. Não estou a dizer que há ilegalidades. O que digo é que tudo isto é muito estranho e suspeito

Que medida pretende agora tomar?

Não me resta outra solução que não seja seguir o conselho da CADA e ir para o Tribunal Administrativo para me serem facultados os documentos. Como eleito ou como cidadão vou levar isto até às últimas consequências. Já falei com o meu advogado para tomar as devidas providências. Continuam a dizer que aquilo é uma empresa privada. O que me parece é que têm existido processos de cosmética, uns atrás dos outros, para esvaziar o interesse público. O que deduzo perante estas atitudes é que foram tomadas uma série de decisões para tornar a empresa privada e é isso que não querem que se saiba. Quer a nível do interesse político, quer do interesse económico. Neste entretanto, o erário público continua a financiar um projecto através da casa mãe que depois, e isto é apenas a minha dedução, através de várias acções de cosmética acaba por sair no interesse lucrativo de alguém.

Isso é possível juridicamente?

Na minha opinião não é possível no aspecto ético, no político então nem é bom falar, nem efectivamente BLCno aspecto jurídico. É uma traição ao interesse municipal porque o que estava ali feito era com o objectivo de desenvolver o concelho, as indústrias e o comércio. Sempre sem fins lucrativos. Por isso, está a ser financiada com dinheiros públicos. Qualquer alteração tem de ser aprovada em Assembleia Municipal e eu, que nunca falto a nenhuma, nunca lá vi nada disso. Não se entende que depois de um ano e meio e cinco pareceres da CADA ninguém me dê os documentos. Isso só me leva a suspeitar que pode haver ali grossas irregularidades. Isto é inqualificável. Marcam a visita. Chego lá e não me deixam visitar coisa nenhuma. O que é isto? Se não têm nada a esconder e tudo é legal, então nem sequer posso ver o desenvolvimento das obras? Não posso ver os geradores porque se tirar a tampa da caixa perde a garantia? Andamos a brincar com coisas sérias? Perante isto posso pensar que como o dinheiro é muito e fácil de manobrar, as pessoas estão a caminhar no seu próprio interesse em detrimento do interesse municipal. Mas isto é apenas a minha dedução, uma vez que não me entregam os documentos, nem me deixam ver os equipamentos. São atitudes que aumentam as minhas suspeitas de que as pessoas estão a esconder a realidade para fugir às responsabilidades. Não estou a acusar ninguém, apenas quero é que esclareçam as dúvidas.

 Tem alguma prova de irregularidades?

Nunca disse que há irregularidades, apenas situações que me levantam dúvidas que devem ser esclarecidas. Mas como não me deixam ver os documentos. O que é que posso pensar? Não quero fazer acusações sem provas. O que digo é que tudo isto é muito estranho e suspeito. Já entreguei o caso às entidades competentes. Fui ouvido por duas vezes na PJ. O Ministério Público está a fazer o seu trabalho. Se está tudo legal tanto melhor. Se existem ilegalidades as autoridades competentes deverão tomar as medidas necessárias. Fiz o meu trabalho. A Assembleia Municipal é eleita para fiscalizar. É isso que estou a procurar fazer.

O que lhe foi mostrado afinal nesta visita?

Nada. Dizem que tenho de esperar pela inauguração. Também disse ao senhor João Nunes que enquanto eleito local posso-me movimentar nos espaços municipais e que me poderia socorrer das autoridades para realizar a visita. Por uma questão de cortesia não o fiz.

“Não é normal um projecto de alta tecnologia estar a ser fornecido às peças por empresas sem curriculum”

A responsabilidade maior em todo este processo cabe a quem?

Falta-lhe um “i”. Deveria dizer irresponsabilidade. Que se saiba a autarquia tem 53 por cento, portanto é a grande responsável. O presidente da Assembleia Municipal em exercício e o presidente da Câmara não podem continuar de braços cruzados como se nada se passasse. Eles são os primeiros responsáveis por esclarecer tudo isto. Mas aqui surge-me outra grande incógnita. E a leitura que faço é que a BLC3 original está mais ou menos como estava. O que me parece é que começaram a fazer derivados da BLC3, com desconhecimento da tutela. A verdade é que a Câmara Municipal já lá tem mais de 500 mil euros e todos os meses coloca mais nove a dez mil euros. E ninguém sabe de nada.

Também tem levantado algumas desconfianças sobre as empresas que estão a fornecer equipamentos à BLC3. Teve alguma explicação sobre essas dúvidas?

_DCS0049 (Small)Perguntar, perguntei, mas também não obtive resposta. Se não me dão provas sou livre de colocar a minha imaginação a trabalhar. O que é normal é colocar a aquisição de equipamentos, tal como aconteceu com os geradores, ainda que mal, a concurso público. Mas isto está a ser montado às peças para cada aquisição não passar os 75 mil euros, permitindo o ajuste directo pró fornecimento de serviços. É torpedear a lei de uma ponta à outra. Se não é assim que me mostrem que estou enganado. Seria isso que eu faria se estivesse no lugar deles. Mas não querem fazer isso. Não é normal, e procurei fazer ver isso ao senhor João Nunes, um projecto de alta tecnologia estar a ser fornecido às peças por empresas sem curriculum. Muita delas, o único fornecimento que tem é à BLC3, pelo menos segundo os dados da BaseGov. São estas dúvidas que quero ver esclarecidas.

Foi um dos grandes defensores da BLC3. Continua a acreditar no projecto?

Continuo. Houve duas coisas positivas feitas por este executivo. Uma delas foi a descentralização de competências para as Juntas de Freguesias. Quanto a mim tímida, porque entendo que a componente Desporto e Tempos Livres, que é inexplicavelmente a maior rubrica desta Câmara Municipal, deveria ser prejudicada em favor do apoio às freguesias. A outra foi a BLC3. Estamos a falar de um projecto que poderia e deveria ser a mola impulsionadora do desenvolvimento do concelho. Mas esta administração está a destruir este empreendimento. Agora ou se acaba com este clima de suspeição que penso ser o melhor para todos ou tudo pode ruir. Não está em causa a competência de quem lá está. O que é preciso é uma gestão transparente. Quero saber que engenharias foram feitas para que uma empresa com capitais maioritariamente públicos e sem fins lucrativos, destinada a apoiar o desenvolvimento do concelho, passe de repente a privada e com fins lucrativos. É preciso esclarecer quando, onde, quem e como é que isso foi feito.

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