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Mais momentos de elevada tensão que “acabaram bem” no 25 de Abril ! Autor: João Dinis

“Era um Abril de clava abril de cravo – Abril de mão em mão e sem fastasmas – esse Abril em que Abril floriu em armas “ – extracto do poema “Abril de Abril”    de Manuel Alegre.

Outros momentos houve de enorme tensão, mormente quando surgiu ameaçadora a coluna de tanques e tropas, vinda sobretudo do “RC 7 – Regimento de Cavalaria 7” mas também do “Regimento de Lanceiros 2”, ambos situados na “Calçada da Ajuda” para os lados de Belém, em Lisboa. Essa coluna, com alguns carros blindados pesados (Tanques), veio cercar o Terreiro do Paço (vinda do lado de Belém) pela Avenida Ribeira das Naus, até juntinho ao Terreiro do Paço, e também pela rua do Arsenal, até junto ao Largo fronteiro à Câmara Municipal de Lisboa e daí voltada para o Terreiro do Paço.

Sim, foram então vários os momentos em que “só por milagre” não houve confrontos armados com vítimas a lamentar, desde logo o próprio Salgueiro Maia que, junto ao Terreiro do Paço, chegou a estar na mira directa de um desses (enormes) Tanques hostis.  E Maia só não foi autenticamente “fuzilado” nessa altura porque houve alguns militares milicianos do lado oposto que se recusaram a abrir fogo sobre ele ainda que mandados disparar por um oficial-general do regime.  Pouco tempo depois disto, um outro oficial (Tenente Assunção) da coluna de Santarém, agora junto ao largo fronteiro à Câmara Municipal de Lisboa pela Rua do Arsenal, oficial que ia como “emissário de paz”, também ele esteve na iminência de ser morto a tiro a ordens “berradas” pelo mesmo oficial-general no que também aqui não foi obedecido, designadamente devido à oposição directa por parte do Comandante da Cavalaria 7 lá presente e actuante.

E nada teria sido como felizmente veio a acontecer, caso se tivesse começado aos tiros uns aos outros.  Tenho para mim, e não sou o único dessa opinião, que a tropa da EPC, Escola Prática de Cavalaria, teria voltado para trás, para Santarém – aliás, havia mesmo um “Plano B” para reagir defensivamente em contingência – se, por exemplo, a força militar ficasse sem o seu Comandante Salgueiro Maia e ainda porque era muito desproporcional o poder de fogo em presença por cada um dos lados, com vantagem para a coluna dos alegados “fiéis ao regime” vindos do RC 7.

Reafirmo também que houve grande bom senso e sábia ponderação por parte de vários dos principais graduados que estiveram frente a frente e em disputa, nesses momentos, neles incluindo o próprio Comandante de Cavalaria 7 que, a dada altura, “arrefeceu” mesmo a deriva violenta do tal oficial-general. De facto, “apenas” esse patarata do oficial-general, a dada altura era ele o mais graduado de todos os oficiais ali directamente envolvidos, é que passou o tempo todo a tentar provocar confrontos armados junto ao Terreiro do Paço – chegou mesmo a disparar uns tiros, ele próprio.  Em consequência, “só” não levou uns tiros do nosso lado, também porque Maia se opôs a que se fizesse fogo sobre ele !  E, um pouco mais tarde, ainda esse mesmo patarata do oficial-general do lado dos fascistas tentou novas acções militares hostis quando a coluna dos revoltosos já se dirigia pelas Ruas de Lisboa e quando até já estava posicionada junto ao Quartel do Carmo, aqui a partir das 12 horas e 30…

Sim, o 25 de Abril floriu em Cravos e também em Alegria !

Pelas Ruas de Lisboa acima, até ao Largo do Carmo e dentro deste, a “festa” e a alegria do Povo se foi manifestando a rodos em torno dos revoltosos e da Revolução e em que também chegaram a hostilizar forças opositoras (ainda) fiéis ao regime.  O Largo do Carmo, esse logo ficou pejado de Gente entusiasmada, no solo, nas árvores e em prédios circundantes !   Viva a decisiva adesão Popular ao 25 de Abril !

É aqui que se dá outro episódio inusitado (pelas 15 horas) em que há um graduado (Aspirante a Oficial Miliciano) da coluna sitiante de Santarém que se recusa, embora de forma não assumida perante Maia, mas que, sim, se recusa a abrir fogo com o blindado que comandava sobre um dos portões do Quartel do Carmo.  Uma ordem “tensa” que Maia lhe dera por um megafone e que esse graduado de facto ouviu – mas que só admitiu tê-la ouvido depois do 25 de Abril.  Ordem a que não obedeceu porque, como também ele próprio tem dito, receou atingir (gravemente…) com estilhaços de granada da peça de grosso calibre do blindado que comandava, muitos dos Populares que enchiam o Largo do Carmo… Esse graduado “desobediente” só depois do 25 de Abril é que veio a assumir que, de facto, tinha ouvido a tal ordem de Salgueiro Maia, e não lamenta mesmo nada não lhe ter obedecido naquele momento, nem tão pouco alguém o condena por isso.  E por esse portão do Quartel do Carmo, então aberto normalmente, entrou e saiu, a seguir, a “famosa” Chaimite “Bula” para recolher Marcelo Caetano e outros e os levar em segurança dali para fora sob fortes apupos dos Populares que disso se aperceberam… Pudera !

Referir ainda que esse mesmo “Aspirante a Oficial Miliciano” já vivera uma “aventura” tremenda, durante a manhã, no Terreiro do Paço, dentro do blindado da EPC que ele comandava, nas peripécias do enfrentamento, a pouca distância, com um dos Tanques mais potentes vindos de Cavalaria 7.  “Aventura” durante a qual os canos das peças de ambos os blindados foram apontados um ao outro por momentos durante os quais o “nosso Aspirante revoltoso chegou mesmo a despedir-se da vida !… Felizmente para ele e para todos não passou de um grande susto…mas já bastava…

Salgueiro Maia o Herói voluntário !

E farto de esperas que se receava perigosas para os revoltosos, Maia resolveu entrar sozinho no Quartel do Carmo (cerca das 17 horas) para falar com Marcelo Caetano para o que foi acompanhado por um graduado da GNR lá presente e seu conhecido.  E Maia meteu-se nisso apesar das opiniões “contra” um tal acto que lhe manifestaram, preocupados, outros graduados do grupo de comando (sempre coeso) da sua coluna.  Por acaso, também soubemos disto por um dos principais comandantes da força vinda de Santarém, no caso o Comandante do “Esquadrão de Reconhecimento”, (aquele segmento da coluna militar que tinha blindados poderosos), por sinal um Oliveirense infelizmente já falecido.

Depois de ter entrado no Quartel, Maia foi mesmo falar com Marcelo Caetano que lhe disse, olhos nos olhos, quando este se lhe apresentou como “comandante” dos revoltosos sitiantes:- “Mas, você é tão novo!” – e sugeriu que lhe levassem à presença um oficial de alta patente (general) para receber a “rendição” do governo… Condição a que Maia acedeu mas da qual resultou a ida lá, para o efeito, do general António de Spínola de quem, diga-se, Maia não gostava mesmo nada por outras e anteriores razões.

E em consequência deste protagonismo que, de certa forma, foi “impingido” ao MFA, Spínola foi nomeado Presidente da “Junta de Salvação Nacional”, anunciada no dia seguinte (à noite) e, a seguir, foi também nomeado Presidente da República em detrimento do general Costa Gomes, este o “favorito” da larga maioria dos membros mais activos do MFA.  Todavia, Costa Gomes virá a ser nomeado Presidente da República a seguir à renúncia de Spínola no final do mês de Setembro seguinte.

Naquela tarde do 25 de Abril, Maia regressou cá para fora do Quartel do Carmo algum tempo depois, livre e sem sequelas mas também nunca se arrependeu desse seu acto que foi bastante arriscado na circunstância pois ainda não havia a rendição dos lá sitiados.

Aliás, já durante a manhã, no Terreiro do Paço, noutras circunstâncias muito perigosas, Maia tinha decidido arriscar a vida ao enfrentar, de peito aberto,      a ameaça, que poderia ter sido mortífera, dos carros de combate de Cavalaria 7.

A propósito, referir que Maia, num desses momentos de maior tensão, se dirigiu a pé até parar em frente de um dos tanques (um designado “M 47” por pesar cerca de 47 toneladas…) e também sem ouvir os “avisos” que outros lhe fizeram. Nesse movimento muito temerário, Maia levou, num bolso das suas calças da “farda nº 3” que vestia (a também chamada “farda de trabalho”), pelo menos uma granada de mão “defensiva” – daquelas que, ao explodir, se desfazem em muitos estilhaços metálicos que se projectam violentamente em todas as direcções… – enquanto assegurava para quem mais o tentava dissuadir :- “a mim ninguém me faz prisioneiro !”, batendo ao mesmo tempo com a mão nesse bolso das calças onde carregava a granada… E eu estou convencido, aliás segundo outros testemunhos,  que ele voltou a fazer isto quando, à tarde, entrou no Quartel do Carmo…

Termino estes relatos nas primeiras pessoas, afirmando que não tenho dúvidas em que Salgueiro Maia, caso algo ou alguém o tentasse fazer prisioneiro para, a seguir, chantagear os outros graduados da sua coluna, Maia ter-se-ia mesmo feito explodir (e com ele alguns dos seus captores…) tal era a sua determinação !

Sim, Salgueiro Maia foi o Comandante certo nos momentos certos !            Fica para a História Nacional como um dos nossos grandes Heróis !

Volto a assumir a convicção, que também não é só minha, que caso tivesse sido outro o nosso Comandante em operações que não Salgueiro Maia, com as suas características e a sua coragem, os acontecimentos, muito provavelmente, teriam resultado em derrota da coluna militar de Santarém, no dia 25 de Abril, em Lisboa.

Todavia, de certo, haveria outras tentativas revoltosas, e a curto prazo, para derrubar o fascismo. Por isso, estaríamos hoje a comemorar o 25 de Abril mas noutra data, entenda-se…

Viva Salgueiro Maia !      Viva o “Movimento dos Capitães” e o “MFA” !!

Viva o 25 de Abril !

Abril de 2024 – nos “50 Anos do 25 de Abril”

João Dinis, Jano.

(Veterano do 25 de Abril de 1974)

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