II Parte.
Chegada a hora, os Combatentes guerreiam-se. Matam e morrem. São para isso autenticamente “empurrados” pelos seus comandantes, nomeadamente até pelos que mais longe estão do terreno de combate. E por detrás desses estão, por sua vez, os “mercenários políticos e ideológicos” e seus “mandantes”, os “donos” do sistema dominante em cada contexto histórico.
Na época da chamada ”Guerra Peninsular” (1807 – 1814) – travada em Espanha e em Portugal – vivia-se no âmbito de uma luta sem quartel entre a ganância imperial de Bonaparte e seus acólitos Franceses, por um lado, e os interesses crescentes dos “donos” de Inglaterra, por outro lado, rumo ao seu próprio império. E durante essa “Guerra Peninsular”, Portugal foi uma plataforma onde muito se combateu e ajudou a derrotar Napoleão Bonaparte e o “seu” Império Europeu. Porém, o “custo” foi tremendo e a todos os níveis e âmbitos ! Mas assim se fez a nossa História.
Durante as “Invasões Francesas” em que a “3ª Invasão” – de Setembro de 1810 a início de Abril de 1811 – foi a mais destrutiva e quer no seu avanço desde a fronteira por Almeida, quer na sua retirada mais ou menos pela mesma zona.
No conflito sangrento, os Portugueses, homens válidos, eram recrutados para os exércitos defensores, os “dos aliados” e do seu exército “anglo-luso” em que também marcharam e combateram alguns milhares de soldados Britânicos e até alguns mais de outras nacionalidades (mercenários). Muitos dos Portugueses começavam pelas “milícias” e “ordenanças” também mais regulares. Outros (ao todo aos milhares) metiam-se na guerrilha. Por norma, não podiam recusar-se a serem incorporados nas fileiras das tropas mais regulares sob pena de severa punição que poderia passar pelo fuzilamento, por exemplo em caso de deserção ou desobediência considerada muito grave. E o mesmo mal lhes acontecia se fossem apanhados pelos Franceses invasores…
Para além de outras sevícias sobre as Populações indefesas, os exércitos invasores chegaram ao criminoso “requinte” de pilharem, incendiarem e destruírem Igrejas e Conventos nas aldeias, vilas e cidades subjugadas também para privarem as Populações de reconforto íntimo e colectivo que esses locais de culto, é sabido, proporcionam através da oração e mesmo da prática da solidariedade. Era uma faceta bastante punitiva de “guerra psicológica”. Porém, a maior causa de mortandade foi a fome e a doença provocadas pela política de “terra queimada” aplicada pelos principais comandantes (Britânicos) dos exércitos anglo-lusos. Sim, toda a guerra é sórdida e assassina !
Numa guerra, por norma, os agressores-invasores sempre procuram roubar as riquezas dos povos que invadem ! E por isso mesmo se morre e se mata nas guerras quase sempre sem saber bem porquê e sobretudo por quem se morre, mais em concreto…
— A guerra vista de um dos lados “bons”, dos sobreviventes.
Mas, dentro do drama e da tragédia, também há, felizmente, o lado que se mantém mais humano, vamos dizer assim.
Neste caso da “Batalha do Bussaco”, vamos destacar o papel humanitário desempenhado pelos Frades Carmelitas do “Convento de Santa Cruz do Bussaco” na recolha de feridos e nos primeiros socorros, muitas vezes os últimos socorros e a “Extrema Unção”, a combatentes anglo-lusos e até a feridos do lado Francês. Notável trabalho !
E que imaginar, e que dizer, dos “cirurgiões” e seus “ajudantes” em serviço militar, cobertos de sangue, a serrar ossos e músculos “a doer” que não havia propriamente anestesia (quando muito servia a aguardente e mesmo a cachaporra) e ainda menos havia transfusões ? E, continuando, pensemos nos “aplicadores de compressas” (quando as havia), todos na indispensável mas também desgastante tarefa de acudir aos feridos graves (às centenas…) que berravam em agonia ou que lhes traziam moribundos e esvaídos para os chamados “hospitais de campanha”, as mais das vezes rudimentares instalações improvisadas na “Serra do Bussaco” e imediações como aconteceu com o chamado “Hospital de Sangue” montado na “Capela das Almas” cujo edifício hoje permanece junto ao “Museu Militar do Buçaco” ? E mesmo nos “faxineiros” indiferenciados cuja tarefa era a de minimizar o estado lastimoso em que rapidamente ficavam esses “hospitais de campanha” improvisados, “carregados” com fezes, urinas, sangue derramado, destroços humanos, mantas e panos ensopados em sangue e em imundices várias… E nos soldados, tipo os modernos “maqueiros”, que penetravam no terreno, mesmo em pleno combate, a recolher os feridos (a prioridade nessa recolha ia para os oficiais) que, bastas vezes, tinham acabado de ver tombar atingidos por projécteis inimigos vários ou varados pelas baionetas e sabres ? Sim, havia muitos soldados destacados para tais “serviços” e que os cumpriam sem recusar muitas vezes com risco permanente da própria vida !
E as compridas colunas com carroças puxadas por animais e com padiolas (eram as “macas” da época) carregadas à mão onde eram transportados os feridos, desde logo os feridos graves, mesmo os mortos, quando as divisões de combatentes avançavam ou recuavam logo após os combates? Era uma visão do inferno na presença da morte (até no cheiro nauseabundo), também porque não convinha nada deixar os corpos mortos, ou ainda não, abandonados à beira do caminho de passagem porque dariam excelentes indícios a quem perseguisse uma coluna militar em fuga para abater os fugitivos… Essas colunas proporcionavam mesmo uma visão ainda mais funesta do que a “paisagem de morte” que se formava, no terreno dos combates, com os corpos (fardados ou não) “que já não serviam” por lá derrubados, mortos ou estropiados às centenas.
E o frio e a chuva e o calor e a fome e a sede e as doenças e as pulgas e os piolhos e percevejos ? Chegavam a torturar ainda mais e durante mais tempo seguido do que os ferimentos ligeiros e do que o medo e os espasmos nervosos que atravessavam corpo e alma na expectativa de um combate de vida ou morte…
Pode-se também imaginar o “ambiente” dos acampamentos improvisados em mais do que precárias condições, após duros combates, em situações em que sempre faltava, praticamente em cada pelotão, pelo menos mais um camarada e amigo perdido em cada batalha.
Ou após longas e penosas léguas de marchas a pé ou a cavalo, ao frio e ao calor. Ou até mesmo quando a tropa se “aboletava” nas casas dos diferentes aglomerados populacionais e, ainda assim, onde os soldados se apertavam uns contra os outros para lá caberem e para terem o mínimo de (re)conforto nomeadamente quando fazia frio. E em que a grande maioria deles procurava dormitar com um olho sempre aberto, em vigia, não aparecessem inimigos a atacar de surpresa (as guerrilhas actuavam assim) ou até alguém a tentar roubar-lhes os pertences, do soldo a produtos das pilhagens e até do saque aos mortos e feridos que eram práticas mais do que frequentes…
Mas também havia milhares de soldados que faziam entre eles autênticos pactos de solidariedade recíproca, de apoio mútuo inclusive para protecção em situações de combate que, em especial, os principais oficiais generais tinham a sua escolta pessoal e os seus próprios “guarda-costas”.
Ao fim e ao cabo, os soldados, esses, procuravam aumentar as probabilidades em se manterem vivos “a cada dia”, embora muitas vezes, cansados e em desânimo, chegassem a desejar uma morte rápida como se fora um “alívio”…
Sim, a guerra é o pior dos males que nos pode acontecer !
Sim, só a PAZ faz sentido !
Nos 214 Anos da “Batalha do Bussaco”.
27 de Setembro de 2024
João Dinis, Jano
(Um patriota e pacifista)