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Rotundolândia… Autor: João Dinis, Jano

Com um quilómetro de distância a separá-las, são duas as rotundas inauguradas muito recentemente, na zona da Cordinha.

Uma, a Sul de Ervedal, à entrada (ou saída) da EN 231 – 2, rumo à Ponte do Salto. Outra, a Norte, quase no limite da Freguesia de Ervedal com a Freguesia de Vila Franca da Beira.

Nesta última vê-se o conjunto escultórico e arquitetónico em “homenagem à mulher queijeira”.

Encima-o a figura estilizada, em chapa de ferro, de uma suposta queijeira em plena manufactura do Queijo da Serra, que se fosse a fazê-lo de facto, quase pela certa só poderia ser “queijo de ovelha curado”, dadas as esquisitices das certificações que sobretudo servem para fazer encarecer o queijo em para aí um euro a mais por quilo…

Nos anéis em cimento da base deste conjunto, vê-se o desenho de alguns pares de mãos que lá foram impressas (tamanho real) directamente por queijeiras profissionais da atualidade. Ao nível do solo, a toda a volta do conjunto, há plantas (naturais) de cardo. Como é sabido, o cardo “bom” é uma substância retirada da flor e utilizada na feitura deste queijo.

Enfim, há quem goste e quem não goste do conjunto. Depende dos gostos… Mas, de facto, ali há uma componente artística bem visível, embora não fotográfica, digamos assim. Respeitemos a ideia – a homenagem à mulher queijeira –  e apreciemos a arte.

O acto de serrar rolos que de facto não era assim…

O conjunto da rotunda Sul, em Ervedal, tem como tema a homenagem à indústria de serração de madeiras, uma atividade económica cuja origem, na Cordinha, remonta ao início do século XX e que ainda hoje é dominante na zona.

Ao centro, o conjunto mais escultórico procura reproduzir em forma de silhuetas, em tamanho real, em chapa de ferro, dois supostos “serradores” a serrarem um “rolo”. À volta, há plantados pinheiros anões, naturais, ouvimos dizer que importados do Japão!

Bom, neste conjunto escultórico, a componente mais vincadamente artística é bastante menor do que a da “queijeira” da outra rotunda.

Aqui, e como já se disse, há apenas duas silhuetas de homem, recortadas em chapa de ferro, que estão a serrar, na horizontal, com um “serrote-traçador” um rolo (oco…) apoiado em dois “cavaletes” afastados um do outro… Sim, aqui é tudo muito mais linear.

E parecendo até que não, será merecedor de maior análise crítica. Vejamos:

– Não era nada assim que se serrava a madeira, desde logo o tronco de pinheiro que o de eucalipto é muito mais difícil de serrar.

–  No início das serrações de madeira, os verdadeiros serradores – a que supostamente correspondem as duas silhuetas lá colocadas – serravam os rolos com a “burra”, esta uma serra-serrote braçal com “ponteiras” distintas, uma para cada mão, de cada uma das extremidades da “burra”.

Os dois serradores que utilizavam a “burra”, ficavam, um em cima do rolo (de pé ou sentado de pernas escanchadas) e, outro, praticamente por baixo (ajoelhado) do mesmo tronco –  que era colocado na oblíqua com uma extremidade assente no solo e a outra suportada por um apoio, normalmente um cavalete.

E a “burra” serrava quase na vertical, para cima e para baixo, puxada alternadamente pelos dois serradores.

E assim é que se serrava os rolos, as tábuas e as ripas. Na mata ou já fora desta. Era trabalho difícil que para além de resistência física também tinha alguma “arte” prática. Daí que os primeiros serradores tenham para aqui vindo de regiões como Leiria, Fundão, Mortágua…

– A seguir, anos depois, chegaram as serras mecânicas, a vapor. Mais tarde, as serras e os “charriot” movidos a energia eléctrica… E assim hoje continuam.

–  O tipo do “traçador” reproduzido no conjunto desta rotunda, esse servia para cortar-derrubar os pinheiros ainda ao alto (agora temos a motosserra) e para os “traçar” já assentes no solo (não em cavaletes), em rolos à medida, antes de serem serrados pela “burra”.

Naquela rotunda está representada uma forma de serrar rolos que simplesmente não existiu !…

E até poderíamos analisar os dentes do “traçador” que estão “cegos” ou seja, estão perfeitamente alinhados quando as serras e os “traçadores” tinham – e têm – os dentes alternadamente virados um para um lado, outro para o outro, para dar “trave” ou “rasgo”.

Já agora, mesmo que quisessem, não iam conseguir “traçar” um rolo (enfim, seria para lenha) posto em cima de dois cavaletes colocados na posição dos que lá estão reproduzidos.

“Traçar” um rolo naquela posição, faria com que, quando o golpe do traçador estivesse a mais de dois terços da espessura do rolo, este – em resultado do peso das duas partes confluir para o meio, dado o vão – apertasse cada vez mais o “traçador” a ponto deste já não poder ser movido pelos serradores…

A única forma de serrar rolos grandes na horizontal, com apoio em cavaletes, até cortar todo o rolo, seria colocando os cavaletes muito mais próximos um do outro para que, a dada altura, o peso das duas meias-partes, em progressivo e autónomo aumento, contrariasse a força da gravidade, digamos assim, e puxasse para cima (dado ficarem muito próximos um do outro os pontos de apoio proporcionados pelos dois cavaletes) permitindo o trabalho em vaivém do “traçador” até o corte ficar consumado. Porém, com os cavaletes nesta posição, iríamos provocar instabilidade ao acto de serrar. Não é prático.

Em síntese: – quem fez aquele conjunto da rotunda Sul, em Ervedal, não sabe o que foi serrar madeira a sério ou, se sabe, ignorou a realidade…embora também não tenha produzido arte.

Por isso, nós não gostamos “daquilo” e dizemo-lo.

A  “consulta pública” que não houve…

Manda a sabedoria que sobretudo quando se pretende homenagear pessoas ou “coisas”, se trabalhe para obter consensos alargados em torno dos respectivos projectos e da forma como os concretizar. Há a “consulta pública”, por exemplo…

E aqui, particularmente para esta rotunda Sul, não houve digamos que essa “sensibilidade” prévia. Apenas um grupo muito restrito teve o ensejo de analisar a ideia e o correspondente projecto para a materializar.

Nós respeitamos a ideia – homenagear a indústria da serração de madeiras.

Mas contestamos “rotundamente” o conjunto “escultórico” lá instalado e pelas razões atrás aduzidas.

É verdade, por mais voltas que dê àquela rotunda Sul, não consigo gostar “daquilo”…por não respeitar a realidade que, no caso, também é tradição. E também não contém “grande coisa” em termos de arte escultórica. Se lá tivessem colocado os dois serradores a serrar com a “burra” um rolo na oblíqua – estilizados ou não – ora aí teríamos nós um conjunto escultórico muito mais fiel à especialidade laboral daqueles esforçados homens. Teríamos agora, ali, um conjunto muito mais interessante também.

Bem, e não posso deixar de dizer que, de hoje em dia, não se deve instalar quaisquer tipos de conjuntos escultóricos dentro de rotundas porque distraem os condutores e acrescentam factores de risco à condução.

janoentrev1Autor: João Dinis, Jano

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