Ao Correio da Beira Serra confessou sempre ter tido jeito para as “engenhocas” ao ponto de ter estado prestes a ingressar numa Escola de Belas Artes.
“Queria ver se até ao Verão isto já circulava”. Esta é a expectativa de Fernando Borges, conhecido em Vila Franca da Beira por “Mariano” – a alcunha derivou do nome da avó Mariana – que se prepara para colocar na estrada um protótipo automóvel que já iniciou há “uma dúzia anos”.
Com 74 anos de idade, “Mariano” é portador de um currículo invejável no campo das invenções. Assegurou que, enquanto jovem pastor, fez “uma máquina a vapor” e sempre teve gosto pelos trabalhos manuais. “Toda a vida fiz muitas engenhocas, fiz santos de madeira e descascadeiras para o milho. Até diziam que eu era mal empregado para aqui andar”, contou ao Correio da Beira Serra, recordando a altura em que o doutor Agostinho Antunes o quis levar para uma escola de Belas Artes. “Mas o doutor faleceu de acidente e eu já não fui”, contou, lembrando que na ocasião trabalhava como serralheiro com o pai do actual presidente da Junta de Freguesia da localidade.
O futuro carro a que agora se dedica não é o primeiro de Fernando Borges. E a comprová-lo está uma fotografia onde a sua filha, no dia em que casou, surge no interior do referido carro. Todo em chapa de cor clara o veículo fez as delícias dos que apreciavam a sua passagem pelas ruas da redondeza, mas “Mariano” ainda recorda o dia em que o colocou na rua. É que, depois de pronto, teve que o desmanchar porque completo não passava pela porta da oficina onde o montou. Agora depara-se com o mesmo problema, mas já estuda a forma como vai tirar o carro em que está a trabalhar porque também é mais largo do que a porta por onde tem que passar. “Já estive a ver e tem que sair de lado” explicou.
“Mariano” passa todo o tempo dentro da antiga oficina, porque a falta de mecanismos adequados levam a que todos os pormenores sejam feitos de forma artesanal e por conseguinte roubando-lhe muito do seu tempo. Valem-lhe os amigos que vão passando e trocando alguns dedos de conversa, porque o empenho no protótipo é de tal ordem que “este ano, até o quintal fica esquecido”. E, nem durante a noite o pensamento de Fernando Borges se afasta do novo modelo automóvel que está a criar na velha oficina. “Acordo de noite a pensar nestas coisas e até tenho medo de ficar maluco”, confessou ao CBS, lamentando o facto de em casa não ter com quem conversar por ter ficado viúvo há cerca de cinco anos e os dois filhos se encontrarem por outras paragens. Espera, contudo, dentro em breve encontrar uma companheira.
O objectivo é que o carro recrie um modelo antigo. Para isso Fernando Borges vale-se de peças de carros antigos, mas sublinha que toda a chaparia é feita por si, assim como o volante. Pensado para circular com duas pessoas, o modelo de “Mariano” também lhe tem dado muita despesa. Para além do tempo dispendido, faz contas também à luz, aos eléctrodos, às chapas, alumínios, entre outras peças que já teve necessidade de adquirir. Sabe que depois de concluído não lhe é permitido circular com o veículo, mas espera poder participar em algumas brincadeiras, como desfiles de Carnaval, entre outras actividades.
Agora reformado, Fernando Borges tem na memória todos os ofícios em que trabalhou, recordando o tempo passado no minério da Sobreda onde, por própria iniciativa, logo começou a manusear a primeira retroescavadora que surgiu no distrito de Coimbra. Do seu percurso laboral consta ainda a passagem durante alguns meses pela França. Já em Portugal, foi também bate-chapas e mecânico, mas acabou por desistir de tudo para dedicar-se em exclusivo ao arranjo de motores de rega e outros mecanismos. “Tive tanta arte que eu até já nem sei”, desabafou ao CBS no interior da velha oficina onde agora se dedica à conclusão do novo carro.
Liliana Lopes