“VOU COMPRAR UMA BICICLETA…
…e vou começar a fazer exercício físico. O Zé já anda há uns tempos, vai-me ensinar, conhece uns caminhos e vou aprender.”
Este é um contexto cada vez mais partilhado nas localidades deste país, milhares de pessoas aderem a todo o momento a esta onda de pedalagem infinita. Todos os fins-de-semana existem dezenas de provas por esse país fora, não definindo o epicentro de tal onda, porque é bem possível que grande parte dos inscritos tenha estado uma semana antes noutra prova, noutro local, com desafio equivalente, e vá estar dentro de uma ou duas semanas noutro! Uma loucura!
Se há cerca de 5 anos o BTT reinava, agora o Ciclismo, conhecido nos meus tempos de juventude por Cicloturismo, pois não tinha (e continua a não ter!) caráter competitivo, daí a distância em relação ao Ciclismo, equilibra a escolha dos participantes. A cidade de Portalegre recebeu durante uma década a prova rainha do BTT amador, a maratona de 100 kms efetuada na zona envolvente da Serra do Marão. Por todo o país se tentou criar desafios diferentes, mas que se equivalessem a Portalegre, e que ainda hoje, alguns deles se mantêm. Como em tudo na vida, e com vista à oferta de desafios cada vez maiores, verificam-se mudanças, agora fala-se em travessias, provas por etapas e que envolvem cada vez menos meios, pois são em auto-suficiência e guiadas por GPS. As provas de Ciclismo multiplicam-se por todo o país, denominando-se por Granfondos (provas de elevada dificuldade física, simulação de contexto competitivo) e Mediofondos, ambas realizadas em estradas abertas ao trânsito normal.
Esta onda teve efeitos positivos na sociedade, pois fidelizou mais pessoas ao exercício físico, dinamizou diversas localidades e enriqueceu a indústria das bicicletas.
Seja BTT ou Ciclismo, as localidades vestem-se a rigor para receber milhares de pessoas, mostrando o que de melhor têm, promovendo os seus produtos e pessoas. Lembro-me de numa prova de BTT em Nelas, inserida nas festas locais, oferecerem uma garrafa de vinho e uma senha para provas de vinho nessa mesma feira, amei!
Qualquer prova que envolva bicicletas tem centenas de participantes, constatando-se uma feira de vaidades com a bicicleta mais bonita, mais equipada, mais leve e mais cara.
Tenho que tocar na ferida, tem de ser!
Participo em provas de carácter não competitivo de BTT e Ciclismo, e contínuo a assistir a um gasto brutal, repito brutal, em equipamento. Bicicletas de milhares de euros, algumas das quais a chegarem aos 6/7 mil euros, capacetes de 250/300 euros, sapatos de 300 euros, óculos de 250 euros, gps de 500 euros, tudo e mais um par de botas!!!!!! Tudo isto que, passado um ano, está desatualizado, como se de um software se tratasse, porque já não é 2×10 e sim 1×11, e porque a suspensão já é liga leve kashima, e porque o carbono é mais leve, porque, porque, porque….!!!!! De loucos. Claro está que a indústria das bicicletas e acessórios agradece, postos de trabalho são criados, a economia cresce e o treino, alguém se preocupa com o treino?
Esta onda de adesão ao exercício físico, porque o “Zé” já anda há uns tempos e conhece uns caminhos, não é má, mas não é a melhor. O “Zé” tem uma bicicleta xpto e há que comprar uma melhor ou igual, como se de um profissional se tratasse. Trepar subidas com 16% de inclinação ou mais, descer trilhos a 50km/h com valas e pedras pelo meio, gastar 1000 euros para tirar 100g à bicicleta (sendo mais fácil e mais barato tirar 100g ao corpo), e investir milhares de euros para andar só ao fim de semana, não serão os melhores ingredientes para o início……….e treinar? Alguém tira uns trocos deste imenso bolo, repito trocos, para pagar a um treinador a sua orientação física/desportiva?
Não, no contexto amador não! Erro crasso.
Se as provas são cada vez mais difíceis, se as provas que têm maior número de participantes são as mais difíceis, porque não começar a investir no treino e não no equipamento? Já reparou que se andar mais vezes por semana, conseguirá andar mais e mais forte na volta do fim de semana? E foi a bicicleta ou você que fez toda a diferença? Pois é!
Claro está que tenho este conhecimento profundo porque também eu trilhei o mesmo percurso, também eu segui o “Zé”, preocupei-me com tudo menos com as minhas capacidades. Se o material ajuda? Ajuda, mas o treino ajuda mais. Há que equilibrar os gastos nos acessórios entre o útil e funcional, para que a relação gasto/uso/objetivo seja excelente.
Lance Armstrong, nos seus tempos de ídolo desportivo, disse que quem treina mais e melhor é quem merece ganhar; José Mourinho refere que o treino é um processo de assimilação de comportamentos, logo, a repetição produz performance; eu percebi, por experiência própria e pelo treino específico e complementar, que a diferença está em mim e não na bicicleta.
Treine, melhore e desfrute.