Ao longo dos anos, a agricultura tem sido percecionada como um setor onde os seus intervenientes são menos qualificados. A este preconceito junta-se o ditado popular que associa esta área à “arte de empobrecer alegremente”. A verdade, porém, é que nos últimos anos, contrariando um passado muito rudimentar e de subsistência, o setor agroalimentar tem crescido. É, hoje, um dos setores onde há maior criação de empresas, onde a cada ano se batem recordes de produção e exportação e que, mesmo num ano marcado por uma elevada instabilidade mundial, associada a uma pandemia, cresceu 2,5% nas exportações. São estes diversos indicadores económicos que corroboram o facto de que este é um setor inovador, competitivo e resiliente que tem albergado espaço para as novas tecnologias e para os jovens e, por isso, pode/deve ser determinante para o interior e para Portugal.
Mas de que forma é que o interior pode capitalizar o complexo agroalimentar?
A cada ano que passa assiste-se a uma crescente desertificação populacional bem como estagnação económica e social que tem afastado jovens da nossa região e levado à prevalência de explorações agrícolas obsoletas, que raramente permitem aos agricultores maiores rendimentos.
No entanto, a agricultura e a pecuária podem ser uma força motriz para fixar população nesta terra de oportunidades. Uma agricultura que preserve os ecossistemas, que acompanhe as inovações tecnológicas e que produza com qualidade, pode reverter esta situação.
Acredito que a mudança passe por um modelo de agricultura circular. Por exemplo, um modelo que recorra aos desperdícios das culturas agrícolas, aos resíduos das limpezas florestais e excrementos dos animais para produzir biogás, uma energia limpa independente dos combustíveis fósseis, e biofertilizante. Esta mesma energia, sintetizada em biodigestores (infra estruturas que convertem os gases da fermentação em eletricidade e fertilizantes) ao entrar na rede pública, alimentaria as habitações das populações dando passos rumo à neutralidade carbónica.
Este sistema, possibilitaria não só a captação de profissionais de outras áreas, mas também, o estabelecimento de parcerias com instituições de ensino, que trabalhariam passo a passo com os agricultores.
Sendo que até 2050, de forma a executar as metas do acordo de Paris, todas as indústrias terão de ser neutras em carbono, abre-se aqui outra janela de oportunidades para o interior – a venda de créditos de carbono, por parte dos detentores de explorações agrícolas e florestais. Um crédito de carbono equivale a uma tonelada de CO2 e é uma medida usada para calcular o quanto uma empresa emite ou, então, qual a capacidade de fixação de carbono da mesma. Assim, as empresas emissoras recorrerão a estes agricultores (que no seu processo de produção retêm carbono) para que efetivamente estas metas de neutralidade sejam cumpridas.
Pelo facto de os terrenos minifúndios serem uma característica da Beira Alta, não é possível competir, em quantidade e consequentemente preço, com produtos produzidos em zonas de latifúndios como a região do Ribatejo e Alentejo.
Tendo este pressuposto em mente, deveriam ser prioritários produtos de maior valor, tal como os produzidos em modo biológico ou produtos DOP (Denominação de Origem Protegida) e IGP (Indicação Geográfica Protegida). Estas indicações são selos de garantia de qualidade acreditadas que permitem contornar este fator limitante.
No que diz respeito ao binómio agricultura-floresta, que tem sido muito fustigado por grandes incêndios e esquecido em terras beirãs, creio que um modelo em mosaico poderá contornar estes acontecimentos. Deve-se optar por um modelo que conjugue a produção extensiva/bio, ao invés de um praticado em “quatro paredes” (produção convencional), com os terrenos florestais.
Não deveremos, por isso, cair na utopia de que todos os terrenos florestais devem estar limpos, mas sim incentivar a manutenção de pecuária e agricultura em campos agrícolas – zonas tampão na eventualidade de algum tipo de incêndio. Reitero que a solução para esta problemática passa pela simbiose entre os dois sistemas e a sua análise conjunta, levando a resultados satisfatórios.
A fixação de uma indústria transformadora com expressividade também seria uma mais-valia para as Beiras, uma vez que desvaneceria problemas de escoamento de produtos de cariz perecível ao mesmo tempo que se criariam produtos de valor acrescentado e mais empregos. Esta fixação deve estar subjacente a medidas convidativas por parte do poder central e local, que a meu ver se têm restringido a subsídios que por vezes tendem a
ser entregues não por mérito, mas por outros critérios subjetivos. Estas medidas deveriam passar pelos já muito conhecidos benefícios fiscais, mas também pela oferta de zonas industriais com os devidos suportes logísticos, com apoios à formação profissional e a apoios ao financiamento de capital fixo junto das entidades bancárias.
Assim, os pontos explanados e ideias apresentadas poderão encaixar-se perfeitamente num território que urge de ações inovadoras e jovens empreendedores. É certo também, que só a cooperação, substituindo a competição, entre o poder central, as autarquias, os consumidores e empresários tornará o complexo agroalimentar um setor economicamente viável e ambientalmente confiável.
Porque o maior cego não é quem não vê, mas quem não quer ver, devemos, como comunidade, ter um papel ativo para que o interior não seja esquecido do mapa.
Autor: Luís Cid Brito, Vogal da Juventude Popular de Oliveira do Hospital e estudante de medicina veterinária.