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Da riqueza patrimonial e histórica de Lourosa. Autora: Maria José Borges

No seguimento do Dia Internacional dos Monumentos e Sítios, celebrado no passado dia 18, volto a falar neste espaço de opinião, inevitavelmente, de Lourosa, terra tão rica em História e Património.

Sendo agora uma aldeia com maior visibilidade desde que há 5 anos se celebraram os 1100 anos da fundação da sua igreja de S. Pedro, e se iniciou, na conjuntura das comemorações, a produção da primeira Feira Moçárabe do país (com 4 edições já realizadas) é, agora, indubitavelmente, um lugar mais conhecido no mapa do turismo cultural e de lazer. Ao longo do século XX até ao presente, este local de culto cristão tem suscitado um particular interesse por parte da comunidade científica especialista em temas medievais e em História da Arte, assim como de turistas culturais, ou outros, em geral…

Lourosa tem estado ultimamente na ordem do dia mercê da requalificação da envolvente da igreja, que avança a passos largos, com discussões moderadas nas redes sociais, muitas benfeitorias estão a ser bem-vindas a nível das infraestruturas (esgotos e saneamentos, reforço da iluminação, repavimentações, etc.) e são muito importantes para a aldeia. São e serão uma mais-valia futura para ela e seus habitantes, desejadas por todos há muito tempo. E a nível histórico e arqueológico refiram-se as importantes sondagens preliminares efectuadas nas imediações exteriores da capela-mor (apesar de reduzidas), o acompanhamento arqueológico da responsabilidade camarária, bem como a recuperação do importante cemitério visigótico que estava em vias de ser destruído pelas fortes raízes das árvores. Certamente será maior o conhecimento histórico sobre Lourosa depois disto.

Apesar de nem sempre concordantes as opiniões sobre o tema aguarda-se, claro, o papel das instituições que tutelam estes assuntos e os esforços do diálogo entre cidadãos e autarquia, pois todos juntos queremos contribuir para o engrandecimento e melhoramento desta localidade, no âmbito do princípio democrático de fazer ouvir as nossas discordâncias, e numa filosofia da transparência que hoje em dia se promove entre a administração local e os administrados.

Saúda-se pois, nestes dias, o vetusto templo que no alto dos seus 1105 anos é a jóia maior da aldeia de Lourosa, recordando, mais uma vez, as palavras do nosso reverendo bispo, D. Virgílio Antunes, quando, nas comemorações do jubileu dos 1100 anos da igreja de Lourosa a que presidiu, pediu às «entidades da cultura que tratassem bem deste templo, quer no seu interior quer na sua envolvente» dizendo que (a igreja de S. Pedro de Lourosa) «não tendo a amplitude das grandes catedrais a que estamos habituados a encontrar pela Europa, tem um encanto especial pela sua simplicidade e equilíbrio, e surge no meio de uma paisagem também ela, bela» (in Folha do Centro, nº 310, 6º feira, 21 de Setembro de 2012, pág. 11).

Lourosa foi vítima no passado, de algumas negligências quando, por exemplo, não integrou a rede de Aldeias Históricas lançada em 1991, e com uma segunda fase em 2003, quando teria todo o mérito, e quando não integrou, sendo merecedora também, a rede de Aldeias do Xisto lançada entre 2002 e 2007. Teriam sido oportunidades fantásticas para desenvolver o seu potencial de localidade histórica, infelizmente não aproveitadas pelas entidades autárquicas de então…

E, agora que, finalmente este ano, a candidataram ao Concurso das 7 Maravilhas de Portugal-Aldeias foi verdadeiramente lamentável e injusto nem sequer ter passado à final… Esperemos que num futuro próximo possa vir a recandidatar-se com mais recursos e um perfil melhorado …

Sendo a igreja de Lourosa, sem dúvida, a sua maior jóia, a aldeia é, todavia, ainda mais rica em termos patrimoniais e históricos e seria muito conveniente que, na sequência da sua requalificação, se desenvolvesse progressivamente o seu perfil histórico, desconhecido, ainda, por muitos, pois em Lourosa existem muitos outros edifícios e construções que, embora de valor inferior, deverão ser preservados e até classificados, enriquecendo cada vez mais a sua componente histórica.

Em 2007 o Gabinete Técnico Local (GTL) da Câmara de Oliveira do Hospital identificara já diversos edifícios com algum interesse patrimonial[1], no sentido de se proceder a uma já prevista requalificação do seu centro histórico. Nesse contexto, e porque para preservar é fundamental conhecer, promovi em Agosto de 2008, e por sugestão de alguns locais, uma espécie de visita guiada a Lourosa, sem qualquer carácter oficial, onde se pretendia chamar a atenção para alguns sítios e edifícios por onde os habitantes de Lourosa regularmente passam, sem por vezes se aperceberem do valor histórico e cultural desses mesmos locais, passeio esse que aliás mereceu uma breve notícia nas páginas do extinto Jornal de Oliveira, da autoria da jornalista laurosense Cristina Luís[2]. E, mais tarde, novo artigo, no mesmo jornal, de minha autoria, identificando mais concretamente, locais de interesse patrimonial e histórico em Lourosa a merecerem futura preservação[4].

[2] A autora destas linhas teve, inclusive, o prazer de ajudar na identificação e/ou correcção de alguns deles.

[3]  Jornal de Oliveira N.º 183 – 11 Setembro. 2008

[4] Jornal de Oliveira N.º 281 – 09 Setembro. 2010

A projectada requalificação já começou, e algumas situações abordadas nesse artigo, estão a ser solucionadas nesse âmbito, como é o caso do cemitério visigótico que na época inspirava sérios cuidados e que está a merecer agora uma ampla intervenção que até lhe dará mais protagonismo. É também o caso de um eventual espaço museológico e turístico a apoiar o monumento, que está a ser pensado, o que muito nos regozija.

No âmbito do património religioso é pena não ter chegado a ser restaurada a Capela de Santo António, junto ao actual cemitério municipal, a mais antiga da povoação, de traça quinhentista e merecedora, também, de uma adequada reabilitação tal como as outras duas da povoação.

Na sequência da requalificação em curso, Lourosa muito beneficiaria se fossem classificadas, também, as abundantes casas de tipo quinhentista, e que dominam o núcleo habitacional do centro de Lourosa (e de algumas povoações que a integram, como Casal de Abade, por exemplo). Com efeito, para além da actual Casa Paroquial, exemplar mais rico e melhor preservado, a quase totalidade das habitações que integram as Ruas de Baixo e de Cima, ou junto ao Largo do Pelourinho, e mesmo no Cimo da Vila, são caracterizadas por certo tipo de cantarias que se usaram nas Beiras até ao século XVI, de acordo com vários historiadores, em que se salientam: um balcão com o típico rebordo saliente em cunha; as aduelas das portas e das janelas com as arestas chanfradas; e bancos “namoradeiros” no interior das janelas. Atestam, dessa forma, o pequeno burgo quinhentista existente, mais ou menos, à época em que D. Manuel atribuiu novo foral a Lourosa (1514), cujos 500 anos também aqui se evocaram, num pequeno parêntesis da Feira Moçárabe de 2014.

Encontram-se, assim, muitas casas com cantarias idênticas às atrás referidas, nem sempre evidentes, pois algumas (sobretudo na Rua de Cima e junto ao Pelourinho), sofreram intervenções que muito as desvirtuaram, nomeadamente, a tendência para se ocultarem sob camadas de reboco as cantarias de casas que atestam, justamente, a antiguidade e o estilo das mesmas. A classificação e preservação progressivas desse tipo de cantarias, alertando pedagogicamente os seus proprietários, tornaria as casas potencialmente mais atractivas até do ponto de vista turístico, para além do significativo enriquecimento patrimonial de Lourosa.

Foto 1- Balcão tipicamente quinhentista da Casa Paroquial

Foto 2- Porta com cantaria chanfrada na Rua do Cimo da Vila

Foto 3- Casas de origem quinhentista, vendo-se à direita um balcão com o típico rebordo em cunha camuflado…(Fotos: Rui Valentim)

Outra edificação em risco a merecer um estudo adequado de especialistas, é uma conduta em granito que se está a degradar e a desconjuntar a olhos vistos, e que poderá ser, eventualmente, de origem romana. Com efeito, ela passa num antigo caminho de “serventia” paralelo à Rua de Baixo, que liga a zona dos Lameiros de Lourosa ao local conhecido como Carvalhal, onde diz uma tradição local que teria havido umas termas romanas. Sendo que Lourosa foi uma vila de ocupação romana e que os romanos instalavam banhos públicos em todos os locais, para além de banhos privados, seria natural existirem diversos tipos de condutas de água. Além disso, foram, de facto, encontradas colunas romanas no Carvalhal nos anos 30 por altura das obras de intervenção na igreja.

Fotos 4 e 5. Espécie de conduta e pormenor, onde se vê o orifício interior (fotos: Rui Valentim)

Ainda outra requalificação que seria vantajosa para a aldeia seria a recuperação da Fonte Velha, um espaço aprazível da aldeia onde se situa uma antiga fonte de mergulho cujas águas cristalinas há muito deixaram de correr para o depósito, que por essa razão evidencia, actualmente, diversas fissuras, vertendo a água para o chão, e atolando o caminho de acesso.

Finalmente, outra classificação e futura requalificação a ter em conta, referida já no mesmo artigo de 2010, é a de uns antigos telheiros da feira, idênticos a outro, muito mais pequeno que existe em Castelo Mendo e que, devidamente reabilitado foi classificado como sendo do século XIII. Era nesse local que antigamente (ainda pelos anos de 70) se instalavam os ourives e os vendedores de tecidos. Encontrando-se, todavia, num terreno privado, acreditamos que não seria impossível desanexar para fins de classificação esses telheiros.

 

 

 

 

 

Foto 6-Alpendre da Feira em Castelo Mendo, do século XIII, em tudo idêntico aos antigos telheiros que existiram na Feira de Lourosa. Ao lado esquerdo, no outro pequeno alpendre, de igual modo, existia na feira de Lourosa um local para ferrar os animais (foto in Aldeias Históricas de Portugal. Vol.. IV: Roteiro de Almeida e Castelo Mendo, p. 39, Lisboa: DN, 2000).

Foto 7- Local dos antigos telheiros da Feira de Lourosa, tal como estava em 2000. À direita, junto ao muro, vêem-se, ainda, restos das antigas bancadas em pedra, mas sem o telheiro (foto: Rui Valentim).

Foto 8 – O mesmo local, na perspectiva inversa. (foto: Rui Valentim)

Estes telheiros e suas bancadas até poderiam vir a ter um adequado aproveitamento, num previsto alargamento no espaço de edições futuras da Feira Moçárabe, que se tem vindo a revelar um excelente meio de promoção da aldeia.

Como complemento da actual requalificação que está a decorrer em Lourosa seria importante classificar em Lourosa algumas destas construções, cantarias e edifícios em risco de desaparecer, até por incúria e desconhecimento dos proprietários, que poderiam ser importantes mais-valias para a aldeia, enriquecendo substancialmente o seu acervo patrimonial classificado.

Autora: Maria José Borges – Licenciada em História (1982); Licenciada em Ciências Musicais (1988); Mestre em Musicologia Histórica (2008), pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Docente na Escola de Música do Conservatório Nacional (EMCN) onde lecciona História da Cultura e das Artes/Música e Organologia e Psicoacústica. Consciente e deliberadamente, a autora não escreve segundo o Novo Acordo Ortográfico.

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