2. Teria dezassete anos, quando recebi um convite do António Gonçalves (Russo das Seixas) para jogar pelas Seixas, uma equipa composta por bons jogadores, contra o Travanca de Lagos. Para mim foi como tivesse sido convocado para jogar pela Selecção Nacional.
3. Num domingo lá nos deslocámos a Travanca para o grande desafio. O campo era relativamente pequeno e tinha um declive elevado de uma baliza para a outra. Penso que havia uma oliveira mesmo junto a uma linha lateral, que nos dificultava o jogo. Como o tempo passa e as coisas mudam…
4. Decorria a segunda parte do jogo de forma animada, com o marcador em vantagem para nós, quando tivemos um canto a nosso favor, na baliza do lado nascente. O Russo (António Gonçalves) que era um exímio marcador de livres e de cantos, encaminhou-se para a bola e bateu-a de trivela, entrando esta directamente na baliza. Que golo….
5. Qual é o nosso espanto que o árbitro, era o meu amigo Zé Pizorga, apita e manda repetir o canto. Protesta-se …há confusão, mas o árbitro mantém a sua decisão. Já não me recordo bem qual era a desculpa para anular o golo. Uma destas era: ou que ainda não tinha apitado quando a bola foi chutada ou que estava fora do quarto de círculo.
6. Recordo-me como se fosse hoje, o Russo pega na bola, encaminha-se para o local da marcação do canto e vira-se para o árbitro e diz-lhe: “não te adianta nada anulares o golo, porque vai ser golo novamente”.
7. O Russo faz uma carícia à bola, coloca-a no quarto de círculo, recua e remata novamente de trivela. Esta faz um pequeno arco e entra novamente na baliza. Vira-se para o árbitro e diz-lhe: “anula também este”. O Zé sorri e responde: “se calhar já não deveria ter anulado o outro”.
8. Não sei se foi inspiração divina, mas que isto aconteceu como eu relato aconteceu. Dois golos a papel químico mas só um valeu. No final do jogo beberam-se uns copos e a amizade entre as pessoas ficou, não ficando nenhum rancor pelo golo anulado.
9. E quem acredita que foi o Ricardo Quaresma que inventou aquela trivela, aquele efeito na bola com a parte posterior do pé que ele tão bem faz, engana-se. Quem inventou essa trivela não sei, mas sei que o Russo das Seixas já a fazia na década de setenta. Sei que marquei muitos golos de cabeça, com o Russo a colocar a bola no sítio certo para eu rematar.
10. Esta minha crónica é uma forma de homenagear o homem que foi um grande jogador de futebol no seu tempo e ao qual agradeço a paciência que por vezes teve em me aturar. Ele não sabe, mas como jogador foi meu ídolo.
José Carlos Alexandrino