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Artur Fontes

Para não esquecer. Autor: Artur Fontes

«A todos os que, com coerência, dignidade e coragem, sobretudo moral, souberam cumprir as transcendentes e espinhosas condutas impostas aos militares. E, especialmente aos que que assim, e por isso, deram o máximo de si mesmos: a própria vida.»

Cor. Fernando Valença

O Cor. Fernando Valença apresenta no seu livro “As Forças Armadas e as Crises Nacionais —A Abrilada de 1961”, (1978), um estudo sobre o movimento protagonizado pelo General Botelho Moniz, em Abril de 1961, o qual representou uma tentativa, embora sem êxito, de repúdio por parte de altos responsáveis militares à presença de Salazar na chefia do Governo.

Em Carta dirigida ao Dr. Oliveira Salazar, Presidente do Conselho de Ministros, escreve: “Atrevo-me assim, Sr. Presidente, a apresentar a V. Ex.ª, o sombrio quadro que ao meu espírito se apresenta, (…), O quadro político da Situação é muito estreito e tem-se sucessivamente apertado, estando hoje confinado a valores políticos gastos e, em muitos casos, sem idoneidade moral bastante que se imponha”(op.cit. p.231).

Mais à frente, avisa: “No que mais propriamente diz respeito às forças armadas, a situação desta é angustiosa e caminhamos para uma situação insustentável, onde poderemos ficar à mercê dum ataque frontal, com forças dispersas por quatro continentes, sem meios bastantes e com uma missão de suicídio da qual não seremos capazes de sair, uma vez que a política lhe não encontre solução nem parece capaz de a procurar. (…) No campo político, assim o entendem os chefes militares responsáveis que já se manifestaram (…) essas preocupações são evidentes. Não devo ocultar essas preocupações” (p.232)

O Gen. Botelho Moniz, Ministro da Defesa (até 13 de Abril de 1961), como consequência da sua afronta a Salazar viria a ser demitido desse seu cargo. Para além desta demissão, seriam demitidos o ministro do Exército, o Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, o Subsecretário do ministro do Exército, o governador-militar de Lisboa, o comandante e o segundo-comandante da 2ª Região Militar, o comandante do Regimento de Cavalaria nº1 e o comandante da Escola Prática de Infantaria. Outras substituições foram impostas, quer no comando da G.N.R. e na direcção do Instituto de Altos Estudos Militares, quer por um novo quartel-mestre-general. Mesmo “A própria Legião Portuguesa não foi poupada à vaga de substituições (…) a direcção do organismo foi dada outra vez à ala mais «ultra» do regime” (op.cit. p.42), entregue ao célebre almirante Tenreiro.

Porém, precisamos de não esquecer e enquadrar estas oposições militares, ao impulso dado no final dos anos 50, pelo General Humberto Delgado, através do movimento gerado em torno da sua candidatura à Presidência da República, em 8 de Junho de 1958, o qual, provocaria uma consciencialização gradual, embora lenta, do papel dos militares na sociedade, como foco participativo e, mais tarde, interventivo na transformação da sociedade, sobretudo em alguns deles ainda a frequentar a Academia Militar que, anos depois, iriam participar no Golpe do 25 de Abril, no ano de 1974.

A par de ser um conceituado militar, Humberto Delgado, era também um homem de cultura, o que lhe daria facilidade e capacidade intelectual para poder analisar a democracia existente nos USA, aquando da sua estadia naquele país e confrontá-la com o regime sem liberdades institucionais que se vivia Portugal. Esta sua vivência nos USA transformou o seu pensamento, levando-o a abraçar a democracia e por ela combater com coragem e sem rodeios!

Pelo seu empenho e frontalidade em combater o regime de Salazar, o General Humberto Delgado e a sua secretária Arajaryr Campos, viriam a ser assassinados pela PIDE, em Fevereiro de 1965, na fronteira com Portugal, em terreno espanhol.

Dando importância à cultura, foi sócio da Sociedade Portuguesa de Autores. Segundo a revista da SPA, (nº 47, 2016), Humberto Delgado foi “associado da SPA desde Dezembro de 1942 até à data da sua morte trágica”. Nesta revista, somos informados sobre a sua actividade literária. Publicou “ livros e peças de teatro que também subiram à cena em Lisboa, antes da sua partida para o exílio no Brasil”. Ficamos a saber ter escrito um romance, ainda inédito, no Rio de Janeiro, com o título Elsa.

Militar, combatente activo pela Liberdade, refugiado e exilado, deu a vida por todos nós. Lê-se na revista da SPA “a sua importância (…) e o seu exemplo tiveram para a luta dos portugueses contra uma ditadura de quase meio século que tanto afectou também a vida e a obra dos autores portugueses de várias disciplinas” (2016:06), um lenitivo para as gerações que souberam combater por ideias progressistas e democráticos, pese embora todos os perigos e constrangimentos que a repressão se fizera sentir sobre eles.

A coerência, a dignidade e a coragem, sobretudo moral, constituíram “alimento” aos que souberam perceber os enredos da História e nos deram horizontes de esperança! É este legado importante que não devemos esquecer!

Artur FontesAutor: Artur Fontes

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