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Seis horas no hospital à espera de uma consulta, são horas a mais, mas não havia volta a dar-lhe, e quem espera, desespera.

“Palavrões”

Por vezes, quem espera tem um “bónus”, o meu foi uma consulta. O médico que me recebe é simpático e deve ser muito competente; não apresento queixas, mesmo assim entendeu que o colesterol precisava de uma ajudinha para vir por aí abaixo, na escala dos valores que considera ideais para quem tem problemas cardíacos, como é o meu caso. Vai daí, alterou-me a medicação e foi explicando, tintim por tintim, como serão úteis as diversas substâncias que compõem os novos comprimidos, possivelmente minúsculos, como eram os anteriores.

Fixo a posologia, mas quando percorre caminhos enviesados para o meu entendimento, limito-me a ouvi-lo pronunciar “palavrões” do estilo: Rosuvastantina, Ezetimiba, Perindopril…! Continuo “sem fala”, mas se pergunta “Percebeu?”, quer que lhe responda com um sim, não, ou talvez, e eu sorrio, que é a melhor das respostas quando se é leigo no assunto. Acho que todos nós, os doentes, e mesmo aqueles que o não são, devemos responder sempre ao médico com um sorriso. O doutor não se obriga a grandes explicações, se dissermos “Não, não percebi patavina”, e se dissermos “Sim, senhor doutor, percebi”, ele sabe que estamos a mentir, mas fica-se por ali mesmo, pela nossa ignorância. Portanto, sorrir em tons de amarelo é uma boa resposta (se fosse verde, era sinal de que tínhamos percebido; vermelho, seria o mesmo que dizer “Troque isso por miúdos e numa linguagem que se perceba”).

Um sorriso, como se vê, é a salvação de quem está perante alguém que sabe mais do que nós sobre qualquer coisa, a não ser que estejamos numa sala de aula, onde o mestre, tem por missão ensinar; aos alunos, só resta estar atento à matéria, nada de assim-assim no entendimento, como sucedeu há dias, durante uma lição sobre gestão da floresta, que dá sempre jeito a profissionais e a ignorantes (como eu!). Quando a engenheira Tânia, da “CAULE”, falou da Pseudotsuga – um “palavrão” que em alguns casos assume grande porte, se o associarmos a uma espécie de “pinheiro” de jardim – fiquei a saber que é uma mentira apontar a resinosa como familiar do Pinus pinaster, o “nosso” pinheiro bravo”. Tem pinhas, sim senhor, mas isso não lhe confere qualquer parentesco!

Seis horas numa sala de espera, dão para imensa coisa: ler o jornal, partes de um livro, ouvir as conversas dos vizinhos, ou passear o olhar pelos rostos de quem está por ali… à espera. Aproveitei o tempo consoante o cansaço que proporciona a incómoda cadeira; se me concentrava na leitura, de quando em vez, ficava em alvoroço com uma voz de mulher que vinha do altifalante. Era timbrada, e os decibéis, acima da média para o local, preenchiam “violentamente” o espaço auditivo.

Ao meu lado, uma senhora, entrada na idade, “ passava pelas brasas”. Tantas vezes se sentiu incomodada com as chamadas, do estilo “António Francisco Simões, sala cinco” (aquilo era rápido, questão de segundos!), entre tremores e um ressonar “simpático”, a dado momento, talvez por estar a meio de um sonho bonito, deu um salto na cadeira e soltou um sonoro desabafo:

– “Ai credo, porra que me assustei”! Nessa altura estava eu preso à leitura das últimas sobre o “meu” Benfica, depois de ter mergulhado numa crónica do Miguel Esteves Cardoso.

– “Carlos Alberto Ramos, gabinete dois” – chegou a minha vez!
Eram três da tarde.

Carlos Alberto (Vilaça)

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