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“Enterro do S. Martinho” revisitado – em Vila Franca da Beira. Autor: João Dinis

Já vem de longe a peculiar tradição do “Enterro do S. Martinho” em Vila Franca da Beira, na noite de 11 de Novembro.

E de há uns tempos a esta parte que se retomou essa tradição, a qual, aliás, tem sido revisitada e alterada em algumas “cenas” e “adereços” em presença.

Tenhamos também em conta que já gravitamos no início do solstício de Inverno, época tradicional de recolhimentos vários por estas nossas regiões – “S. Martinho – Pão e Vinho” …

O “Enterro do S. Martinho” é um cortejo supostamente fúnebre que também serve de exorcismo íntimo (catarse) ou de esconjuro em colectivo, em que o centro cénico converge num boneco preparado de véspera e em tamanho natural, simbolizando o cadáver do “S. Martinho”.  É transportado à mão, durante o “Enterro”, numa carreta ou numa padiola, em meio de duas filas de “irmãos” com tochas de jardim acesas os quais compõem a “Irmandade de S. Martinho” a acompanhar o fétero.  Ora, a “Irmandade de S. Martinho” foi introduzida há menos de 3 décadas assim como alguns adereços – um enorme símbolo fálico, tipo “das Caldas” (…), e que ornamenta o meio das pernas do boneco do S. Martinho… – e que antes também não figuravam na função.  O mesmo aconteceu com as “Viúvas do S. Martinho”, um coro de “carpideiras” de luto vestidas que se esganiçam a “guinchar” choros e ditos em que choram e lamentam a perda imensa daquele suposto “S. Martinho” …

Este ano, o Carlos “Sacristão” (está com 81 anos de idade…) não participou fisicamente como “encomendador” fúnebre – padre de arremedo – do “S. Martinho”, em que utiliza copioso linguajar carregado de brejeirices mas a organização providenciou uma aparelhagem sonora a reproduzir uma actuação dele, no estilo, gravada há já alguns anos em anterior “Enterro”.

Cortejo do “Enterro do S. Martinho” sai e regressa à Sede da UDV.  Antes não era assim.

Nos últimos anos, a organização mais ou menos espontânea do “Enterro”, faz sair o cortejo desde junto à Sede da UDV, União Desportiva e Tuna Vilafranquense, onde regressa depois de ter percorrido várias das principais ruas da Povoação. Entretanto, a luz pública é apagada de propósito para a função.  Este ano, a Lua (quase) Cheia alumiava bons espaços e projectava sombras do casario nas ruas.  Ambiente a condizer.

Esteve muita gente e de todas as idades.  Feito o “ó” da volta ao Povo, é o regresso à UDV. Acabado o cortejo, o boneco a simbolizar o “S. Martinho” sai do caixão e da carreta e é içado para o tubo em cruzeta de onde fica dependurado.  Atiça-se-lhe o fogo que crepita e o envolve todo em chamas…   Sobem foguetes no ar, com lágrimas e tudo…

Hora e pouco depois de se ter iniciado, em cortejo, mais um “Enterro do S. Martinho”, o Povo, já serenado, permanece em volta da fogueira “purificadora”, em convívio “tribal”.  As Gentes voltaram a ser Gens… As ruas apertadas, a Lua, as sombras da noite, as silhuetas das casas e das árvores, agora também elas parecem estar mais em harmonia com a natureza de cada ser e com “a alma” de todos nós.

E lá aparecem as castanhas assadas…e vinho e jeropiga (ou “jorpiga”) … na Sede da UDV.

Após o culminar da função do “Enterro”, o Povo entra na Sede da UDV que está quentinha, de lareira acesa, ambiente que não encontraríamos no Largo do Rossio…

Em cima das mesas, já esperam as castanhas assadas bem escoltadas por garrafas com Vinho e até de “jorpiga” (jeropiga).  “Vamos a elas! “– alguém comanda.  E assim aconteceu.

Lá no fundo, lá no fundo, com a expressão prática que criámos na noite deste 11 de Novembro de 2022, tratou-se de mais um ritual de vida e de morte mas em que renasce a vida e, nesta, também renasce a partilha mais colectiva de vivências ancestrais de uma comunidade.

Viva o S. Martinho!

Viva o Solstício!

Viva Vila Franca da Beira e suas Gentes!

 

 

 

Autor: João Dinis

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