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“No futuro teremos maioritariamente bombeiros profissionais…”

Com 69 anos, Luís António Gil Barreiros faz parte da direcção eleita para suceder a Jaime Marta Soares na liderança da Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP). O Presidente da Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Gouveia vai liderar a Mesa dos Congressos da LBP e em entrevista ao CBS garante que a nova direcção daquela estrutura vai defender “um comando nacional autónomo” para os bombeiros, bem como “uma protecção social diferente” para quem exerce aquela actividade. Gil Barreiros, médico reformado e que foi dos primeiros a operar a Viatura Médica de Emergência e Reanimação (VMER) da Guarda, assegura que o futuro passa pelo profissionalismo dos bombeiros e defende que “[o Estado] tem de pagar a custos reais os trabalhos de protecção e socorro”. Refere ainda que os problemas dos bombeiros nos dias de hoje passam pelo financiamento das associações, formação e incentivos ao voluntariado.

CBS – O que é que leva um médico a ceder o seu tempo ao cargo de presidente de uma associação humanitária de bombeiros?

Gil Barreiros – Sempre me senti atraído pelos bombeiros, pelo exército, até porque sou neto de um militar, mas nunca tive essa oportunidade. Mas sempre senti um bichinho. Como médico fui um dos primeiros coordenadores da viatura Médica de Emergência e Reanimação (VMER) da Guarda. A emergência médica sempre me atraiu. Nunca aconteceu ser bombeiro, mas estou ligado a esta actividade noutras funções.

Foi eleito presidente da Mesa dos Congressos da Liga dos Bombeiros Portugueses, o primeiro do distrito da Guarda. Quais são os seus objectivos?

Quero ser uma voz agregadora, que transmita os anseios e vontades, de todos os bombeiros, mas também dos bombeiros do Distrito da Guarda que têm um notável passado histórico. A Guarda sempre teve um papel reconhecido e sempre foi ouvido pelas estruturas nacionais. A Federação dos Bombeiros da Guarda foi o primeiro sócio fundador da Liga e este distrito sempre deu homens que se distinguiram ao serviço dos bombeiros, como Madeira Grilo, Álvaro Guerreiro, Pedro Lopes e tantos outros comandantes e dirigentes.

Quais os objectivos desta nova direcção eleita para a Liga dos Bombeiros Portugueses?

Nós candidatámo-nos com um programa muito divulgado e muito sufragado por parte dos bombeiros antes das próprias eleições. Procurámos contornar um regulamento que já não está em consonância com a realidade da vida actual e que é quem vota para a Liga é o comandante e o presidente da direcção da associação. Isso reduz um bocado os direitos dos bombeiros que devem ser ouvidos nestas coisas. O que a nossa lista fez foi começar a trabalhar em Maio e a publicar vários documentos utilizando as redes sociais, permitindo que todos pudesse opinar e apresentar medidas. Isso permitiu que muitos bombeiros enviassem as suas ideias, sendo muitas delas engobadas no programa final da nossa candidatura. Isso criou-nos grandes responsabilidades em relação ao que prometemos e queremos e o que podemos fazer.

“Sabemos o valor e a importância que temos e queremos que nos sejam reconhecidos esses atributos…”

Mas o que defendem para os bombeiros?

Desde logo, a criação do comando autónomo dos bombeiros. É um ponto fundamental. Toda a gente vê, quando há reunião da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil [ANEPC], sentados à volta de uma mesa a GNR, a PSP, o exército, a marinha, a força aérea e, às vezes, lá aparece um comandante de bombeiros. Depois, a ANEPC não manda nas outras entidades, mas pensa que manda nos bombeiros. Às outras forças coordena, indica caminhos e pede colaboração e nos bombeiros manda. Nós queremos estar em pé de igualdade com as outras forças. Porque em toda a parte do mundo a protecção civil coordena, não comanda.

Como seria essa cadeia de comando?

Queremos um comandante nacional, comandantes regionais, distritais e comandantes de zona operacional. A divisão orgânica dos bombeiros é esta. E não será nada de novo. Já existiu no antigo Serviço de Bombeiros. Não se chamavam comandantes, mas nós fazemos questão que tenham essa designação. Nós queremos ser coordenados que a AENPC. É essa a sua função, não é mandar.

……

Mais de 90 por cento do socorro cabe-nos a nós. Sabemos o valor e a importância que temos e queremos que nos sejam reconhecidos esses atributos. Com um comando autónomo chegaremos lá. É por isso que dizemos que esta lista propõe-se mudar o paradigma dos bombeiros em Portugal. Exigindo o que é de direito, exigindo respeito, exigindo o tratamento que é devido pelo poder central que está muito longe daquilo que os bombeiros merecem.

Um dos problemas de muitas associações é o financiamento. Como pensam superar essa dificuldade?

Não temos a menor dúvida que os bombeiros pagam para fazer o socorro, quando o Governo é que é o responsável pela garantia da segurança e do socorro dos portugueses. Ao homologar um corpo de bombeiros, o Governo está a fazer um contrato, delegando nos bombeiros a sua própria responsabilidade, pelo que, naturalmente e justamente, tem de pagar a custos reais estes trabalhos de protecção e socorro. Não podemos continuar como até agora, em que o financiamento não chega para as despesas.

Onde é que os bombeiros vão buscar o resto do dinheiro?

Andando de mão estendida a pedir apoios subsídios às Câmaras Municipais, a mecenas, o que também não dignifica muito a própria imagem dos bombeiros. É uma situação insustentável. Não pode continuar.

“Neste Interior tão desprezado, começamos a ter graves problemas no recrutamento…”

A direcção agora eleita também defende alterações na Escola Nacional de Bombeiros…

É fundamental uma intervenção profunda e séria na Escola Nacional de Bombeiros, que é 50 por cento da Liga dos Bombeiros Portugueses e os outros 50 por cento da Autoridade Nacional de Protecção Civil, logo do Estado. Exigimos que seja uma escola essencialmente para formar bombeiros, dando acesso, quer aos nossos elementos de comando, quer aos bombeiros de menor categoria hierárquica, a cursos planeados para as necessidades deles, tornando possível uma melhor actuação. É inegável que quem não sabe, não salva. Neste momento, a escola está dividida. Atrasa muito a programação de cursos e começa a demonstrar algumas atitudes de fornecer formação a empresas externas, na procura de financiamento, de ganhos económicos. Tem de se centrar outra vez na formação de bombeiros. É esse o seu objectivo.

Na região do interior as corporações não têm dificuldades de recrutamento de voluntários?

Neste Interior tão desprezado, começamos a ter graves problemas nesse aspecto. Há já uma crise. A vida mudou muito. As exigências da vida também e os hábitos das pessoas muito mais. Isso leva a que esta actividade não seja atractiva, como princípio de doação à causa, as pessoas deixarem os seus lares, os seus passatempos para virem prestar serviço voluntário às populações. Caminhamos certamente para mudança no funcionamento destas associações, em que no futuro teremos maioritariamente bombeiros profissionais.

Há condições financeiras para suportar esses elementos?

Há condições se o Governo cumprir com as suas obrigações de fornecer protecção e socorro às populações.

Não seria necessário um efectivo demasiado grande?

Não. Parte dos elementos das corporações já são profissionais. Temos o socorro urgente e emergente de doentes e sinistrados e isso já está praticamente tudo profissionalizado. Ou seja, os bombeiros que integram as tripulações do chamado INEM, que não o é, já são elementos profissionais e funcionários das associações. As Equipas de Intervenção Permanente [EIP], que começam a existir em todos os concelhos, são uma forma de profissionalizar os bombeiros. São cinco elementos que são profissionais e pagos, embora sejam funcionários das associações, metade pelas Câmaras Municipais e o restante pelo poder central. É o futuro. Estas forças, depois, têm de ser complementadas com intervenção e ajuda daqueles que ainda mantêm o bichinho do voluntariado.

“[O bombeiro] tem de ter uma protecção social diferente…”

Qual é a função das EIP?

As EIP têm funções especificas, como o socorro ou o fogo, digamos a parte dos carros vermelhos. Não fazem transporte de doentes urgentes e emergentes. Mas estes homens têm um horário e mantêm uma situação mista porque também são voluntários.

E são suficientes?

O ideal seria ter duas equipas de intervenção rápida por cada corporação, porque, neste momento, as noites são asseguradas por voluntários. O que não é muito agradável quando poderiam estar em casa com a mulher e os filhos. Logo, a solução passa pelas duas equipas, o que já permitiria fazer escalas, contando repito com aqueles que ainda querem ser voluntários. E é necessário criar condições para transformar esta actividade mais atractiva para aqueles que gostam.

Que poderia passar por…

Desde logo considerar esta uma profissão de risco e de desgaste rápido, porque o é. E por isso tem de ter uma protecção social diferente, contemplando, por exemplo, a antecipação do tempo de reforma, quer para os profissionais, quer para os voluntários. Os bombeiros têm de ter benefícios. Estes são pontos pelos quais a nova direcção da Liga se vai bater. Estas pessoas têm de ter algum tipo de compensação. É necessário reestruturar toda esta componente de apoio social ao bombeiro.

…..

Como é necessário o reconhecimento do dirigente de bombeiros. Esses têm responsabilidades, mas não têm direito rigorosamente a nada. As pessoas não imaginam qual é responsabilidade destas pessoas. Há dirigentes que para manter as associações têm de ir buscar empréstimos aos bancos, dando os seus bens pessoais como garantia. Eu próprio já tive o meu nome atravessado em letras. Mas isto de ser bombeiro é como a coca-cola “primeiro estranha-se, depois entranha-se”. Ser bombeiro, com ou sem farda, é ainda hoje uma grande escola de vida.

Como vê as medidas de prevenção de incêndios?

A Liga tem alertado para a necessidade de reordenamento da floresta. O último ano foi absolutamente tranquilo. Com poucas incidências, facilmente resolúveis com uma intervenção musculada logo de início. Mas o clima continua cá, as condições do terreno e o aumento do material comburente que vai crescendo pelos campos e florestas, apesar das campanhas de limpeza, fazem-nos continuar a temer que numa próxima época estejam reunidas condições para termos outra vez grandes incêndios. Nós vemos a GNR a multar o pobre do agricultor, mas não actua quando o prevaricador é o Estado que manda e obriga a fazer, mas faz pouco.

As próprias autarquias também parecem não cumprir…

Não. As autarquias, diga-se, mudaram muito na maneira de pensar e actuar. Há um antes de Pedrogão e um depois de Pedrogão. Foi uma tragédia que marcou e obrigou a tomar medidas que não eram habituais, como a intervenção musculada logo de início. Grande parte mantém os seus terrenos limpos e investem muito na prevenção. Se calhar porque sentiram mais de perto e no local as tragédias que foram acontecendo. As Câmaras normalmente pedem a nossa colaboração. Estamos representados, pelos comandantes das corporações do concelho, nas comissões municipais de defesa da floresta e nas comissões de fogos rurais da protecção civil municipal.

Foi o que fez a diferença em 2021?

Ajudou, mas o grande bombeiro de 2021 chama-se S. Pedro. A floresta enquanto não for parcelada, enquanto deixarmos os eucaliptos crescer com uma força louca nos locais que arderam, não estaremos descansados. Além disso, nesta zona da Serra da Estrela ainda se continua a apostar nas plantações intensivas do pinheiro que não são autóctones e ardem com muita facilidade, esquecendo, por exemplo, os castanheiros. Não sou especialista em floresta, mas estou consciente que é preciso tomar medidas nesta área.

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