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Entrevista: “As obras não caem de pára-quedas”

… –– no Governo de António Guterres –, diz estranhar que, passados dez anos, ainda não tenham sido construídas as novas instalações da Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Oliveira do Hospital e garante, que na sua passagem pelo governo, o projecto “nunca apareceu”.

Correio da Beira Serra – Como um homem ligado ao desenvolvimento e um estudioso dessas questões, como é que analisa o processo de desenvolvimento do concelho que há mais de meio-século o viu nascer?
José Reis
– (risos) …há 54 anos! Acho que não faz muito sentido tentar perceber o desenvolvimento de um concelho isoladamente. Faz mais sentido que nós tentemos olhar para uma determinada área geográfica que seja minimamente identificável. Apesar do inevitável bairrismo de todos nós, quando olho para aquela zona – para aquele concelho em concreto – tendo um pouco a olhar para saber se há ou não, e se é possível haver, um tipo de desenvolvimento característico, mais positivo e mais desafiante para uma zona como aquela. E devo dizer que há muitos anos – não apenas por o tal bairrismo e por um afecto especial – que tenho a noção que aquela zona da nossa região tem particularidades muito interessantes e tem, porventura, reunidas condições que dificilmente encontramos fora daquilo que são as ossaturas principais da região. Nós estamos numa zona de baixa densidade, sem grande estrutura urbana e de características rurais. Mas ao contrário de outras zonas – no Pinhal Interior, norte e sul, por exemplo –, nós observamos que naquela zona há potencialidades muito fortes, coisa que não é alheia ao facto de estarmos ali a falar naquilo que foi sempre a diagonal da região, a estrada da beira, do ponto de vista de comunicação e elemento de atracção.

Acho que podemos estar mais ou menos satisfeitos com o desenvolvimento que houve. Vão haver bons avanços do ponto de vista das acessibilidades, do bem-estar das pessoas, da consolidação de factores endógenos, do turismo e do meio rural. Estes são os aspectos positivos. Os negativos passam por um desenvolvimento industrial que vai mais passageiro, que não tem crescido significativamente, e pelo problema das pessoas e da desertificação. Acho que se percebermos que Oliveira, Gouveia e Seia estão ali tão perto e são, do ponto de vista urbano, grandes realidades… Oliveira do Hospital faz parte de uma estrutura regional muito especial. Em suma, olho com alguma tranquilidade. Acho que não devemos ser muito trágicos relativamente ao modo como nas últimas décadas se tem assistido ao desenvolvimento. Olho sobretudo para as potencialidades futuras e ligo-as a este sistema urbano…

CBS – Embora tenha ali os autarcas a olharem cada um para o seu umbigo…
José Reis –
Esse é realmente o problema, embora também não seja originário dali. Essa lógica de individualismo e de se fechar dentro da área do concelho, é uma característica do poder local. Há momentos em que a cooperação intermunicipal é decisiva, como é necessária a cooperação dentro do próprio concelho. Nós temos no concelho um exemplo muito interessante, que é a criação da Escola Básica Integrada na Ponte das Três Entradas. Todos sabemos que ali vivem muito poucas crianças. No entanto, por que é que se fez ali a escola? Eu creio que por uma lógica de muito boa clarividência do ponto de vista de perceber quais são os problemas de uma zona que estava a ficar muito fragilizada. Não vale a pena querermos manter crianças sozinhas numa escola na sua terrinha. Está ali uma solução que serve de confluência a várias áreas. Mas também me recordo que nessa altura, falando com um presidente de câmara que não o de Oliveira do Hospital, ele dizia-me: as minhas crianças da freguesia lá perto não irão para essa escola. Por quê? Lá está aquela ideia do limite da barreira do concelho…

CBS – Está a referir-se ao presidente da câmara de Seia…
JR
– Só pode ser, não é, visto que em termos geográficos é o único vizinho dali? Mas a gente sabe que esses problemas existem e não podemos querer que, de um momento para o outro, tenhamos uma prática que não é a que consolidou o poder local durante estes 30 anos. Essa prática foi muito virada para o umbigo. Agora, inquestionavelmente, os tempos são outros.

CBS – Tendo nascido numa das regiões do concelho com maior aptidão turística – Aldeia das Dez –, qual é a sua opinião sobre a falta de apostas municipais capazes de potencializarem o turismo nos vales do Alva e Alvôco e noutras regiões do concelho, como o Vale do Mondego, por exemplo?

JR – Com toda a sinceridade, não conheço bem o problema do ponto de vista de saber qual é a posição municipal sobre isso, mas também acho que o turismo – e sobretudo este turismo muito diferenciado e de pequena dimensão – é uma coisa que provavelmente não pode replicar-se indefinidamente. Creio que não devemos fazer do turismo – digamos assim – a solução para tudo. Faz sentido que haja uma aposta municipal nisso, mas com a noção de que há sempre soluções que são relativamente originais mas que não podemos multiplicar indefinidamente. Mas sinceramente, não conheço em concreto o que se passa em matéria de acção municipal. Mas, às vezes, há atitudes simbólicas que são muito importantes e que até importa que sejam tomadas em devido tempo, porque se a gente se atrasa já todos fizeram igual. Hoje em dia, por exemplo, parece-me muito importante que tenhamos instalado o acesso às novas tecnologias. É importante perceber que nas aldeias ou nas zonas onde já haja alguma capacidade de atracção e determinadas condições, é preciso apostar nas novas tecnologias. Ter o “wi-fi”, por exemplo, da Internet. Isso é muito importante…

CBS – Tendo Oliveira do Hospital um tecido produtivo que continua a repousar excessivamente na indústria de confecções, quais acha que são os problemas que daí podem advir a curto/médio prazo?
JR –
Há com certeza problemas e não há-de ser fácil. A indústria de confecções serviu para o bem, mas hoje tem esse problema de ser uma indústria cuja competitividade depende muito dos custos salariais e com facilidade pode perder essa competitividade. Julgo que há duas soluções principais ou dois objectivos a perseguir numa situação dessas: uma é fazer um grande esforço de diversificação. Nós seremos sempre mais sólidos – estejamos a falar da economia de um país ou de um concelho – se tivermos uma diversidade de sectores industriais. Portanto, é preciso atrair ou desenvolver outras indústrias, para que não haja uma dependência tão forte. Outro caminho é com certeza tentar estimular da melhor maneira os melhores casos, os melhores exemplos, aqueles que possam desenvolver-se pela inovação e pela qualidade do que produzem. Nós precisamos de estar sempre intranquilos, e aí a intranquilidade é um valor na medida em que possamos antever as situações mais difíceis.

CBS – Quando a ESTGOH foi criada, em 1999, era secretário de Estado do Ensino Superior. Hoje, volvidos quase dez anos, a escola está muito próxima dos objectivos que levaram à sua criação – tem cerca de 700 alunos –, mas as instalações são um constrangimento. O director da ESTGOH, numa entrevista ao CBS, diz que “os alunos já têm que andar a estudar nos corredores” por falta de espaço. Qual é a sua perspectiva sobre este assunto, uma vez que a ESTGOH tem sido uma das principais âncoras de desenvolvimento do concelho? JR – A escola foi criada pelo ministro Marçal Grilo no governo anterior àquele em que eu entrei, mas coube-me a mim instalar a ESTGOH. Como calcula fui-me desligando desse assunto, mas ouvi já há muitos anos que estava tudo resolvido. Só que nunca apareceu o projecto. Para que o governo – seja ele qual for – financie essa escola, tem que lá aparecer um projecto, no sentido literal do termo. Ou seja: ninguém põe dinheiro no PIDDAC sem ser para o gastar. Surpreende-me que o assunto ainda não esteja resolvido e até me atrevia a perguntar porquê. Não há terreno, não há projecto, não há local? Tem ideia do que é que se passa?

CBS – O que se passa é que a câmara municipal adquiriu um terreno e, entretanto, tem-se levantado a possibilidade de a escola poder vir a ser instalada no antigo centro de negócios da Acibeira, em Lagares da Beira…
JR –
É evidente que para termos uma escola do ensino superior consolidada é preciso que ela tenha condições mínimas. Quando eu garanti o arranque da escola, foi porque me disseram: há condições para começar, estão aqui estas instalações e haverá um terreno para as futuro edifício. Esse era o compromisso do concelho e eu, que estava do outro lado, disse: muito bem, venha daí o projecto e quando houver projecto e concurso para a construção da escola, evidentemente que haverá financiamento. Ou seja: o governo da altura, quando se comprometeu a instalar a escola comprometeu-se evidentemente – numa lógica de médio prazo – a garantir o financiamento à construção do edifício. Tanto quanto constato, esse assunto não está resolvido. O que é que me parece? É que aí tem que haver uma decisão local, onde porventura exista um entendimento entre a escola, a câmara e o instituto politécnico de que faz parte, para que o seu financiamento seja proposto ao governo. As pessoas gostam muito de ver dinheiro inscrito no PIDDAC – isso é uma coisa muito típica em Portugal – mesmo que não seja para gastar. Ora, nenhum governo faz isso. Portanto, o que é essencial é decidirem sobre a localização, sobre o terreno, terem um projecto de engenharia e de arquitectura, para que se viabilize o lançamento de um concurso. É evidente que se neste momento a escola atingiu esta boa maturidade, se tem estudantes e já se enraizou no concelho e na cidade, então é evidente que faz todo o sentido consolidá-la.

CBS – A ESTGOH e a Escola Superior de Telecomunicações e Turismo de Seia, que terá cerca de metade dos alunos, foram criadas no mesmo dia. Uma tem instalações de raiz há já vários anos; a outra está ainda num edifício provisório. Há alguma explicação para isto? JR – Eu suponho que a situação não andará longe disto: se ainda não há instalações é porque ainda não houve um acordo local quanto à forma de as desenvolver e não houve um acordo do Instituto Politécnico no sentido de a escola ser uma prioridade que possa ser apresentada ao governo. Só pode ser esta a razão. Quanto ao caso de Seia, certamente que foi isto que se fez. A não ser que as instalações não tenham sido pagas pelo governo, mas imagino que não. Acho isto muito estranho. Nestas coisas, têm que se dar os passos essenciais. Há sempre aquela coisa muito tola – sobretudo nesta época, que se vê na comunicação social – do concelho ou da instituição que se julga injustiçado pelo PIDDAC. Bom, há coisas que não têm a menor tradução em termos reais porque não têm projecto, não lançaram concurso e às vezes nem sabem onde é que vão fazer a obra.

CBS – Como alguém diria, as obras não caem de pára-quedas…
JR
– Não caem de pára-quedas e não se fazem obras em cima do papel – agora já é em suporte digital – do PIDDAC. As obras fazem-se no terreno, com projecto e com concursos abertos…

CBS – Que janelas de desenvolvimento é que o QREN poderá abrir aos concelhos desta zona do distrito de Coimbra?
JR – O QREN e sobretudo o Programa Regional – na minha maneira de ver, não é assim que ele está organizado – tem três grandes áreas importantes para o concelho. Uma área é a do desenvolvimento urbano, que evidentemente se dirige mais às maiores cidades, mas creio que há aqui uma oportunidade de consolidação urbana que o QREN traz. Eu aqui aconselhava muito fortemente que os municípios pensassem em rede e elaborassem projectos em conjunto. Outra segunda grande oportunidade, é para estas áreas a que se convencionou chamar de baixa densidade. Não são áreas rurais, propriamente, mas também não são áreas urbanas. E o QREN, aí, tem várias oportunidades, no domínio da floresta, dos recursos endógenos e das questões associadas ao turismo e à paisagem. À valorização da tal economia que é possível ter nestas regiões. O terceiro domínio em que o QREN tem respostas a dar é ao nível dos equipamentos colectivos e também na própria economia, ao nível das pequenas e médias empresas e das micro-empresas. Portanto, parecem-me boas oportunidades para um concelho como o nosso, que pode ir por junto a estas três oportunidades.

 “Candidato à presidência da Câmara?
Não, a minha vida não se compagina com isso”

CBS – Há quem sustente que a construção das novas instalações da ESTGOH podem ser financiadas pelo QREN…
JR –
Claro. Tanto quanto sei, houve agora um concurso em que apareceram dezenas de candidaturas das instituições de ensino superior, através do Programa Operacional de Valorização do Território.

CBS – Nos círculos políticos ligados ao PS de Oliveira do Hospital, fala-se várias vezes na possibilidade de o Prof. José Reis poder vir um dia a assumir uma candidatura à CMOH…
JR – Não faço a menor ideia disso na actualidade. No passado, houve dois episódios que têm a ver com isso. O primeiro foi quando o PS, em Coimbra, e depois através do engº António Campos também, me convidaram para que eu fosse candidato a presidente da câmara nas primeiras eleições da década de 90. Ou seja: aquelas que elegeram o substituto do meu amigo César OIiveira (1993). Na altura, e de uma forma muito determinada e sem a menor possibilidade de vacilar, disse que não podia, por uma razão muito simples: estava no ponto crucial da minha vida académica. Tinha acabado de ser aqui presidente do conselho científico, tinha dois anos à minha frente de dispensa de serviço de docente e preparava-me para os usar – inclusivamente com muitas estadias no estrangeiro, como veio a acontecer – no sentido de preparar a minha agregação, que são as últimas provas da carreira universitária.

Devo confessar uma coisa: nessa altura o engº António Campos disse-me, de uma forma muito generosa e muito simpática: muito bem, compreendo as suas razões, mas então seja cabeça de lista à Assembleia Municipal. Eu estava muito determinado em não alterar a minha vida académica por quaisquer outros desafios e disse-lhe também que não. Foi um exagero da minha parte e auto-penalizo-me, tendo em vista a generosidade e o empenho do convite. Algum tempo depois, dei comigo a pensar e entendi que devia ter feito isso, mas o que lá vai lá vai. Mais recentemente – mas não para as próximas eleições, que isso fique claro –, alguém do PS me veio dizer: é agora que você devia ser candidato à assembleia municipal. Eu disse “está bem”, mas devo confessar que nunca mais ninguém me disse nada até hoje (risos). Eu ter dito que sim, foi uma forma rápida de resolver o problema….

CBS – Posso daí inferir que o prof. José Reis pode vir a ser o próximo candidato do PS à Assembleia Municipal?
JR –
Não, não pode não senhor. Não pode concluir isso. Primeiro porque eu não tenho o menor contacto com as estruturas concelhias ou distritais do PS, observo com bastante distância aquilo que se passa no PS e não me reconheço naquilo que são as suas lógicas distritais predominantes. Não me revejo nisso e gosto de estar em boa companhia, evidentemente.

CBS – Isso é alguma crítica aos órgãos dirigentes da Federação Distrital do PS, recentemente eleitos?
JR –
Não é uma crítica, é uma opinião. Cada um pensa o que quiser, mas não me revejo naquele entendimento da política.

CBS – Admitiria um dia – visto que sempre foi tido como uma pessoa mais ligada ao PS – poder vir a ser candidato à presidência da câmara de Oliveira do Hospital?
JR –
À presidência da câmara, não. Muito francamente, a minha vida não se compagina com isso. Tenho uma vida profissional e académica bastante intensa, sou um académico, a minha vida é esta. Por mais que eu possa valorizar esses desempenhos – e valorizo-os – não é minimamente equacionável que eu possa deixar a minha profissão, onde tenho os meus compromissos.

Relativamente à Assembleia Municipal, acho que já não é uma coisa impeditiva do ponto de vista profissional. Mas a questão não se coloca. Agora se se colocasse, isso dependeria de saber quem são as pessoas e as políticas envolvidas.

Henrique Barreto
Liliana Lopes

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